abril 29, 2011

Odisséia: entre ninfas e ciclopes, a 1ª grande saga

2ª reunião do grupo de estudos em 2011, realizada em 29 de Abril.

Resumo dos 9 primeiros cantos da "Odisséia" (Homero):

- Atena e a Assembléia dos Deuses;
- Telêmaco: discussão com pretendentes e viagem em busca do pai;
- Nestor: transmite a Telêmaco relatos da Guerra de Tróia;
- Menelau: de volta a Esparta, confirma a morte do irmão Agamenon;
- Calipso: após sete anos de cativeiro, liberta Odisseu;
- Nausícaa: enquanto lavava roupas, a jovem descobre e ajuda o herói;
- Alcínoo: rei hospitaleiro, ele oferece comes, bebes e festas;
- Demódoco: o aedo canta o “greek love triangle” (Ares, Afrodite e Hefesto) e o Cavalo de Tróia;
- Ciclope: o nome Ninguém; a cólera de Odisseu e a vingança de Poseidon.


Sugestões de temas de pesquisa:
- Paidéia grega – Werner Jaeger;
- A paródia de “Ulisses” – James Joyce;
- O arquétipo do herói – Joseph Campbell;
- Mitologia grega – Teogonia (Hesíodo) e Thomas Bulfinch;
- Análise estilística – “Poética” (Aristóteles);
- Compromissos racionais e comportamento estratégico – Jon Elster;
- Leis e regimes políticos – O Trabalho e os Dias (Hesíodo).

abril 25, 2011

O Espírito, os Métodos e as Condições da Vida Intelectual

Fichamento feito por Kaio Felipe, em 24 de Março. Servirá de material para uma futura palestra sobre O Valor das Artes Liberais para o Estudante das Humanidades.

A Vida Intelectual (Antonin Sertillanges)

Introdução

- Quando não se procura agradar o mundo, ele se vinga; se por acaso se consegue agradá-lo, ele ainda assim se vinga nos corrompendo. Devemos, no entanto, ser indiferentes ao seu julgamento, mas prontos a ser-lhe úteis.


Capítulo 1 – A Vocação Intelectual

- Vocação é fazer do trabalho intelectual sua vida, dedicar-se ao estudo para ter como recompensa o profundo desenvolvimento do espírito; ou seja, realizar plenamente a si mesmo e amar a verdade. Que venham à vida intelectual com propósitos desinteressados, não por ambição ou tola vaidade. Obter sem pagar é o desejo universal; mas é um desejo de corações covardes e cérebros enfermos.

- A ciência é conhecimento pelas causas e, quanto à produção, criação pelas causas.

- “O gênio é uma longa paciência”, mas uma paciência organizada, inteligente. Aliás, para a vida intelectual, estar um pouco acima da média já é o bastante; o restante é fornecido pela energia e por suas aplicações sensatas.

- O que vale acima de tudo é o querer, um querer profundo: querer ser alguém; o chegar a alguma coisa; ser, pelo desejo, esse alguém qualificado por seu ideal.

- O trabalhador cristão não deve se deixar tentar pelo individualismo, imagem deformada da personalidade cristã. A solidão vivifica tanto quanto o isolamento paralisa e esteriliza.

- Toda verdade é prática, é vida, orientação, caminho em vista do fim humano.

- Mais do que nunca o pensamento aguarda os homens e os homens o pensamento. Utilizemos o valor dos mortos para viver, pois a verdade é sempre nova.


Capítulo 2 – As Virtudes de um Intelectual Cristão

- Não se acreditam nesses joalheiros que vendem pérolas, mas não as usam.

- A vida é uma unidade, que se deve ao amor, que não ocorre sem virtude.

- Apaziguar-nos é isolar em nós o sentido do universal; retificar-nos é isolar o sentido do verdadeiro.

- Vícios: estupidez, preguiça, sensualidade, orgulho, inveja, irritação.

- A pureza do pensamento exige a pureza da alma. Em seus graus culminantes, a verdade e o bem estão interligados e são idênticos.

- As grandes intuições pessoais provêm: do aperfeiçoamento moral, do desapego de si e das banalidades habituais, da humildade, da simplicidade, da disciplina dos sentidos e da imaginação e da entrega à busca dos grandes fins.

- A virtude própria ao homem de estudo é evidentemente a estudiosidade. Esta consiste em uma temperança moderadora, evitando dois vícios que se opõem: a negligência e a vã curiosidade.

- “Todo estudo é um estudo da eternidade” (Van Helmont). Tudo (corpo e alma), num intelectual, deve ser intelectual. É mais do que desejável se preocupar em ter uma boa saúde. “Uma alma sã em um corpo são” continua sendo o ideal.

- Recomendações: higiene; vida ao ar livre (janelas abertas, passeios antes e depois do trabalho...); respirar profundamente e relaxar o corpo; férias (pelo menos uma vez por ano); comida leve, simples e moderada; sono na medida certa.

- Um amigo do prazer é um inimigo de seu corpo e se torna depressa um inimigo de sua alma. Por sua vez, a disciplina do corpo é aumentar sua mortificação.


Capítulo 3 – A Organização da Vida

- Quando se pensam num gênio, nunca vem à mente uma imagem dele participando de um jantar. Uma vocação é uma concentração; não se deve, por dinheiro, pensar e produzir. É o caso de reduzir o lado material ao mínimo a fim de aliviar, liberar o espírito.

- Que a mulher guardiã do lar não seja o gênio maldoso, mas sim a musa.

- “Ama tua cela, se queres ter acesso ao celeiro de vinhos.” (Santo Tomás)

- Sejam, pois, lentos para falar, porque muitas palavras fazem o espírito esvair-se como água.

- Não cuidem de conversas seculares, isto é, sem repercussão moral ou intelectual.

- Sem recolhimento, não há inspiração; a paz é a tranqüilidade da ordem, e a educação é a expansão de nossa alma. Antes de dar a verdade, adquiria-a, e não jogue fora o grão de sua semeadura. Ou seja: para conhecer a humanidade e para servi-la, é preciso entrar para dentro de si.

- As dificuldades em trabalhar sozinho – p.ex., quando o entusiasmo inicial é seguido por um demônio da preguiça que nos diz: “para quê?”. Sendo assim, o apoio de outrem seria contra de eficácia admirável contra esse spleen. A amizade é uma maiêutica.

- Cultive também os relacionamentos necessários. A dificuldade dos romancistas em nossos dias me parece ser a seguinte: se eles não freqüentam a sociedade, seus livros são ilegíveis, e se a freqüentam, eles não têm mais tempo para escrevê-los!

- A sociedade é um livro a ser lido, apesar de ser um livro banal.

- A palavra pesa quando se sente por baixo dela o silêncio.

- O refluxo do homem todo para a cabeça causa desorientação e vertigem; uma diversão é indispensável à vida cerebral.

- Já diria Santo Tomás: “o real é o fim último do julgamento”. Ou seja, o pensamento se apóia nos fatos. A ação encontra por toda parte “episódios de vida” que serão a representação de suas idéias abstratas. Esse instrutor que é a ação é ao mesmo tempo um professor de energia cujas aulas não serão inúteis a um solitário.

- O espírito de silêncio será, pois, exigido onde se estiver. É ele, sobretudo, que importa.

- Ficar em casa e se entregar a um falatório interior, ao embate dos desejos, à exaltação do orgulho, à corrente dos pensamentos que introduzem em nós um meio exterior absorvente e repleto de discórdia, seria de fato isso a solidão? Não.


Capítulo 4 – O Tempo do Trabalho

- O estudo já foi denominado uma oração à verdade. O desejo de saber define nossa inteligência enquanto potência de vida. O que falta para fazer uso dessa vida permanente em benefício da verdade? Unicamente disciplina.

- A verdade grita pelas ruas e não nos desleixa mesmo quando nós a desleixamos.

- Um grande pensamento pode nascer acerca de todo e qualquer fato. Aprendam a olhar e confrontem o que se apresenta aos senhores com suas idéias costumeiras ou secretas. Um sem-número de verdades circula nos discursos mais simples. As grandes descobertas se resumem a reflexões sobre fatos comuns a todos.

- Tudo deve alimentar nossa especialidade. O universo é em grande parte o que nó fizemos dele.

- Tanto o sono quanto a insônia podem ser úteis para clarificar idéias. Tenham à mão um bloco de anotações.

- Antes de dormir, deixe um ponto para meditação, pois o sono, que trabalha sozinho, trabalha a partir de um material prévio.

- A vida de dissipação não é um repouso, é um esgotamento. O repouso é, pois, uma restauração, não um gasto tresloucado. Aproveite-o para, p. ex., trocar as impressões do dia com a família.

- Para os instantes de plenitude, tudo deverá ser previsto para que nada venha atrapalhar, dissipar, reduzir ou enfraquecer essa preciosa duração.

- Fujam acima de tudo do trabalho feito pela metade, da concentração relapsa. Quando abrir-se à verdade, abstraia-se de todo o restante. Muitas vezes duas horas por dia bastam para uma obra.

- Durante a plenitude, defenda sua solidão com uma aspereza que não respeita mais nada; que Cérbero esteja postado à sua porta. Porém, essa solidão não deve ser encarada materialmente, mas no sentido espiritual; a companhia de um amigo absorto pode ser favorável.

- Comprem a solidão, e paguem suas liberdades esbanjando demonstrações de delicadeza e préstimos afáveis. É preferível que seu retiro seja mais proveitoso a todos que sua presença ativa.


Capítulo 5 – O Campo do Trabalho

- Uma sugestão é o estudo comparado das ciências, sem se ater apenas a uma especialidade. Toda ciência, cultivada em separado, não só não se basta a si mesma, mas apresenta perigos que todos os homens sensatos reconheceram. É preciso alternar as culturas para não arruinar o solo.

- Esse ardor de que é tomada uma inteligência enérgica, ao entrar em contato com as grandezas do espírito, transmite ao estudo uma vitalidade e facilidade extraordinárias. Os maiores dentr os grandes homens sempre deram mostras de uma maior ou menor tendência para a universalidade. Ninguém conseguiria confinar numa só cultura homens tais como Aristóteles, Bacon, Leonardo da Vinci, Leibniz ou Goethe. Eis um parâmetro frutífero.

- Distribuam o tempo; organizem a sucessão dos estudos: isso não se dar ao acaso. Em cada coisa, vão direto ao essencial; não se demorem em minúcias.

- É importante para o cientista que ele estude a rainha das ciências, a filosofia, e que o filósofo não deixe de adquirir conhecimento na teologia. O homem da verdade deve centrar sua pesquisa no que é ponto de partida, nos princípios primeiros.

- O peso de uma doutrina e sua novidade são duas coisas diferentes. O gênio datado não existe.

- Argumentamos no sentido de certa extensão, porém em prol da própria profundeza e a título de formação. Uma vez que esta for obtida, é preciso pôr-se a cavar, e só a especialização o permite.

- Vencer uma dificuldade é bom e é necessário, mas a vida intelectual não deve virar uma acrobacia permanente. É muito importante trabalhar num estado de alegria, logo de facilidade relativa, portanto segundo suas aptidões. Tendo pretendido ser legião, se terá esquecido de ser alguém.

- É preciso compreender tudo, mas com o objetivo de conseguir fazer alguma coisa.


Capítulo 6 – O Espírito do Trabalho

- Nossa alma não envelhece; ela está sempre em crescimento. Que o estudioso esteja, portanto, sempre à escuta da verdade.

- O grande inimigo do saber é a nossa indolência. Deve-se sempre procurar, sempre se esforçar. Que cada tarefa os envolva a fundo, como se ela fosse única.

- Alguns fatos bem escolhidos ou algumas idéias firmes – digo firmes quanto a sua coerência e seus encadeamentos – são material suficiente para uma produção genial.

- Uma pronta obediência: eis o que chama em nós a verdade. O cético está mal equipado para a verdade. A descoberta é obra da simpatia.

- Intelectualmente, o orgulho é o pai das aberrações e das criações factícias. O intelecto é globalmente uma potência passiva – forte na medida em que se é receptivo. Compreender é tornar-se outro e sujeitar-se a uma invasão muito positiva.

- O que importa num pensamento não é a sua proveniência, são suas dimensões.

- Fujam dos espíritos que são escravos do trabalho, das fórmulas limitadas, das estruturas livrescas.

- As entrelinhas de um grande texto constituem seu verdadeiro tesouro.

- Estudar significa conferir precisão a algumas condições, e só se estuda com grandeza ao colocar esse pouco sob os auspícios daquilo que ainda se ignora.


Capítulo 7 – A Preparação do Trabalho

- A leitura é o meio universal de aprender, a preparação imediata ou distante de toda produção. O mundo intelectual todo pode ser comparado, graças à leitura, a uma sala de redação ou a um escritório de negócios.

- A primeira regra é esta: leiam pouco. O que se proscreve é a paixão de ler, a compulsão, a intoxicação por excesso de nutrição espiritual, a preguiça disfarçada. Deve-se ler inteligentemente, não apaixonadamente; tão somente o que se quer reter, o que deve ser aproveitado.

- A maioria dos romances agita e desnorteia os pensamentos. Quanto aos jornais, defendam-se contra eles. Basta uma síntese semanal ou até mesmo bimensal.

- Escolham os livros e escolham nos livros. Saciem a sede unicamente nas fontes, e não tenham relacionamentos senão com a elite dos pensadores. Amem os livros eternos, que dizem as verdades eternas. Um livro vale o que valem os senhores e o que senhores o fazem valer.

- Há quatro espécies de leitura:

1. Leituras fundamentais: para ter uma formação e ser alguém. A escolha de um pai intelectual é sempre coisa séria.

2. Leituras ocasionais: em vista de uma tarefa. Recorrer-se-á a outras fontes para informar-se, não para formar-se.

3. Leituras de treinamento: edificantes, são o treinamento para o trabalho e para o bem. Ter nos momentos de depressão intelectual ou espiritual seus autores prediletos, suas páginas estimulantes, tê-los à mão, sempre prontos para inocular-lhes uma nova seiva, é um recurso de imenso valor.

4. Leituras relaxantes: distração. Depende do gosto, mas sugere-se narrativas de viagem, poesia, crítica de arte, memórias etc.

- Os gênios nos habituam ao ar das alturas. As grandes máximas são múltiplas experiências condensadas. No fundo, se soubermos como utilizá-los, os grandes homens nos fazem comunicar-nos com as mesmas verdades essenciais.

- Lê-se unicamente para refletir. O ensino não nos fornece senão meios de agir espiritualmente. Os livros são placas de sinalização.

- Pela citação, confere-se glória ao outro, e recebe-se em retorno outra idêntica. “Que minha leitura me possibilite engendrar pensamentos à semelhança não de meu inspirador, mas de mim mesmo!”

- Não se vive da própria memória; usa-se sua memória para viver. Para que o homem de estudo progrida, que ele estabeleça, dentro de si, graças à memória, uma estrutura correspondente que lhe permita adaptar-se, e dessa maneira agir. Deve-se organizar a memória para conservar idéias mestras.

- As quatro regras de memorização de Santo Tomás são: I) Ordenar o que se quer reter; II) Nisso investir profundamente o espírito; III) Sobre isso meditar freqüentemente; IV) Quando se quiser rememorá-lo, tomar a cadeia por uma extremidade, a qual acarretará todo o restante.

- As duas categorias de anotações são: I) Preparação distante, com leituras e meditações para formar-se e alimentar o espírito; II) Preparação imediata, com o estudo de um assunto específico, lendo o que se publicou sobre o assunto.

- Que uma coisa seja bela e boa, que seja preciosa teoricamente, não é uma razão para escrevê-la.

- “Leio, e ao ler escrevo; porém escrevo o que penso em contato com outrem, mais do que escrevo o pensamento de outrem, mesmo se transcrevo textualmente.” Use o método das fichas.

- No caso das notas visando a um trabalho, que a leitura seja cada vez mais tendenciosa.

- Começar pelo plano detalhado ou pela documentação? Depende do que se estuda. Porém, as anotações de estudo devem sempre constituir um trabalho efetivo, nos momentos de plenitude.


Capítulo 8 – O Trabalho Criador

- Nunca se produzindo nada, adquire-se o hábito da passividade.

- “Estilo é o instrumento espiritual que eu emprego para me dizer e dizer a outrem o que eu entendo da verdade terrena.” O estilo é o homem.

- É preciso saber pensar em voz alta, formular seu verbo para o interior e para o exterior.

- As qualidades do estilo se traduzem em três palavras: verdade, individualidade e simplicidade.

- Um estilo é verdadeiro quando responde a uma necessidade do pensamento e quando permanece em contato íntimo com as coisas.

- Evite a verborragia e o automatismo, e sempre se coloque ante as coisas com fervor. O floreio é uma ofensa ao pensamento; o estilo exclui a inutilidade. Procure ser compreendido por todos; todo exibicionismo é uma afronta à beleza.

- Evite a ambição; voltados inteiramente para a verdade, os senhores devem servi-la e não dela servir-se. Afinal, só se age com plenitude em prol de causas pelas quais se aceitaria morrer.

- A verdade é essencialmente impessoal. Não se deve ceder à pressão da opinião pública e escrever como se ela estivesse lendo por cima de seu ombro.

- Tenha constância, paciência e perseverança. Evite o desânimo, o desgosto e a negligência. Não perca tempo porque “não vale a pena começar já” ou “ainda não está na hora”; aproveite para revisar. Não caia em distrações (rabiscar, dicionário, estante...). Uma genuína força de alma se faz necessária para escapar a essas insignificâncias. Se sua lassidão for demasiada, façam uma pausa voluntária para recobrar as forças. Por exemplo, uma leitura rápida na obra do autor predileto.

- Um estimulante mais inocente é a caminhada, seja ao ar livre, seja em seu escritório.

- Adquira o hábito de pensar. O espírito se molda ao que lhe é pedido com freqüência.

- Quanto à paciência, a arte de pensar e a ciência exigem-na; evite a pressa inconveniente. A alma é essa fonte secreta: não procurem desvendar prematuramente seu mistério. O homem que dá tempo ao tempo tem todo o tempo do mundo, que está sediado na eternidade.

- O intelectual é por definição perseverante. Reflita antes de iniciar uma obra; se disserem “Eu farei”, façam. Ter uma vocação é ter uma obrigação do perfeito. Uma obra, no que diz respeito ao fundo, deve vir de um só jato; dêem o máximo de si na hora da criação.

- Não procure acima de ti. O “conhece-te a ti mesmo” de Sócrates é não apenas a chave da moral, mas também de toda vocação.


Capítulo 9 – O Trabalhador e o Homem

- O estudo tem de ser proveitoso para a vida; a obra acabada é o homem.

- Para os que tencionam dedicar-se à vocação do estudo, não dêem as costas, para favorecê-lo, a todo o restante da vida (a natureza, a música...). Não renunciem a nada do que faz parte do homem. Não façam do trabalho uma monomania. Preservem uma cota de lazer; não se esgotem.

- Quando não se previu o repouso, o repouso que não se toma “toma-se”; ele se intercala sub-repticiamente no trabalho sob a forma de distração, sonolência e necessidades que se deve atender.

- Diante das provações (inveja, incompreensão, injustiça, abandono...), a resposta se dá pelo trabalho. Ele equilibra a alma e confere unidade interior. Diante das críticas, sejam elas superficiais ou certeiras, volte ao trabalho; corrija-se e cale-se, evite rancores.

- A tristeza e a dúvida matam a inspiração, mas somente quando se cede a elas.

- A renúncia material do intelectual é recompensada: o mundo lhe é dado espiritualmente. A recompensa do esforço é ter crescido. O sábio é o que possui erudição e experiência de vida.

- O verdadeiro intelectual não deve temer a esterilidade e a inutilidade; os resultados às vezes tardam, mas não falham. Se não podemos nos igualar aos que admiramos, sempre podemos nos igualar a nós mesmos: eis nosso único objetivo.

A Greve dos Produtores: John Galt revelado

13ª reunião do grupo de Estudos Humanistas, realizada em 3 de Dezembro de 2010. Clique aqui para ler o resumo do volume I de "A Revolta de Atlas".

Volume II – “Isso ou Aquilo”
- A sanção da vítima
- O controverso Dr. Robert Stadler
- Aristocracia do dinheiro x aristocracia do pistolão
- Discurso do dinheiro: ganhar dinheiro tem um aspecto moral e nobre
- As leis são criadas para serem desrespeitadas
- Os protagonista percebem que vivem em uma sociedade cujo código moral pune os virtuosos
- Francisco D'Anconia apresenta a sua teoria do sexo
- O papel sujo dos intelectuais
- Ragnar Danneskjöld é como um anti-Robin Hood
- As falhas morais dos mortos no acidente de trem: uma das passagens mais polêmicas de "A Revolta de Atlas"
- Dagny finalmente conhece a história da Fábrica de Motores Século XX

Volume III – “A=A”
- Atlantis, “a utopia da ganância”
- Galt e D'Anconia explicam o porquê da greve
- A construção do vale
- Richard Halley (pianista), Kate Ludlow (atriz) e as motivações racionais da arte
- Os melhores fazendo o seu “pior”
- A crítica ao altruísmo
- O controverso Projeto X, e a ameaça de Ferris a Stadler
- O keynesianismo dos saqueadores
- Dagny faz um discurso arrasador na rádio
- Rearden declara-se para Dagny, mas aceita o fim do namoro
- Cherryl começa a entender a perversidade de seu marido; porém, entra em colapso e comete o suicídio
- O discurso de Galt:

I. As conseqüências da moralidade mística e social
II. Pensar e viver como escolhas morais; exposição da epistemologia objetivista
III. Valores adequados: razão, determinação e amor-próprio. Virtudes adequadas: racionalidade, independência, integridade, honestidade, justiça, produtividade e orgulho.
IV. Pacto de não-agressão
V. Crítica ao pecado original
VI. A moralidade parasita
VII. Sobre o amor
VIII. Crítica ao desejo de se libertar da razão e da realidade
IX. Realidade objetiva
X. Relativismo e silêncio
XI. Os místicos, o poder e a morte
XII. Moralidade
XIII. Direitos
XIV. O que cabe ao governo
XV. Liberdade

abril 17, 2011

A Retórica Aristotélica

1ª reunião do grupo de estudos em 2011, realizada em 8 de Abril.


Livro I

- A oratória política recai menos que a forense (jurídica) em assuntos não-essenciais. Além disso, é menos dada a práticas inescrupulosas, porque trata de assuntos mais amplos – inclusive os interesses vitais do homem que forma julgamento.

- O estudo retórico, em senso estrito, está preocupado com os modos (meios) de persuasão. Persuasão é um tipo de demonstração. Entimema é um tipo de silogismo.

- O homem tem impulso natural para o que é verdadeiro. A retórica é útil porque: 1) Ratifica a tendência natural do que é justo e verdadeiro de prevalecer sobre seus opostos; 2) Convencer uma audiência, pois o conhecimento exato por si só não consegue instruir a todos; 3) Persuadir a partir de uma visão clara dos fatos; 4) Permitir a um homem defender a si mesmo por meio do discurso racional. Porém, é importante lembrar que o uso de tal poder oratório para causas injustas causa muitos males.

- A retórica está preocupada em discernir meios reais e aparentes de persuasão. O que a define não é o propósito moral (que cabe à dialética), mas a habilidade.

- Três são os modos de persuasão fornecidos pelo discurso: 1) Depende do caráter moral do orador (ethos); 2) Colocar a audiência em certa disposição mental (emoções; pathos); 3) Prova, ou prova aparente, presente nas palavras do próprio discurso (raciocínio lógico; logos).

- Entimema é o silogismo retórico. Exemplo: indução retórica. Se certas proposições forem verdadeiros, uma proposição adicional e distinta também o será. O entimema consiste de poucas proposições, menos do que um silogismo normal.

- Probabilidade é algo que geralmente ocorre. É contingente e variável. Sinal é o indício a partir da relação entre dois fatos: particular e universal. Se existir, ele é uma prova completa, irrefutável. Exemplo: quando duas afirmações são de mesma ordem, mas uma é mais familiar que a outra.

- Linhas de argumentação: especial ou geral. Três são os elementos do discurso: orador, assunto e pessoa ao qual é endereçado (audiência, ouvinte). O ouvinte pode ser um juiz (decide sobre algo do futuro ou passado) ou um observador.

- Três tipos de oratória: 1) Política (deliberativo) – fazer ou não fazer algo; preocupada com o futuro; visa a estabelecer a necessidade (benefício) ou prejuízo do curso de ação proposto; 2) Forense (judicial) – atacar ou defender alguém; preocupada com o passado; lida com a justiça ou a injustiça de uma ação; 3) Demonstrativo – elogiar ou censurar alguém; preocupada com o presente; discorre sobre a honra e valor ou seus opostos.

- A retórica é a combinação da ciência analítica com o saber político relativo aos caracteres; de um lado, a dialética e do outro, os discursos sofísticos.

> Retórica Deliberativa

- Os cinco principais temas dos discursos deliberativos são: finanças (aumentar riqueza e reduzir gastos), guerra e paz (poder militar, lida com o histórico do próprio país e do inimigo), defesa nacional (métodos de defesa, pontos estratégicos), importações e exportações (oferta de comida, vantagens na troca) e legislação (entender leis do país; constituições/regimes/tipos de governo).

- O fim da deliberação é a felicidade, que pode ser definida como prosperidade combinada com virtude, vida mais agradável com segurança, auto-suficiência da vida etc.

- O alvo do orador deliberativo é a utilidade (conveniência); a deliberação deve determinar não os fins, mas os meios (o que é mais conveniente a se fazer).

- A superioridade de uma classe sobre outra é proporcional à superioridade possuída por suas maiores espécimes. Aquilo que é produzido por um maior bem é por si só um maior bem; aquilo que é desejável por si mesmo é um maior bem que alguma coisa que não é desejável por si mesma, afinal pode existir por conta própria (auto-suficiência). O mesmo vale na comparação entre aquilo que é causa e o que não o é.

- Uma coisa pode ser mostrada como mais importante que outra por dois pontos de vista opostos: 1) Porque é o começo (início) e a outra não é; 2) Porque não é o início e a outra é – quando o fim for mais importante. Tudo depende daquilo cujo contrário for o maior mal (vício).

- Quanto mais algo é desejado, melhor é. O que se volta para a realidade é melhor do que aquilo que se volta para a aparência. O que um homem quer ser é o melhor do que um homem quer parecer.

- O fim de cada forma de governo: 1) Democracia – liberdade; 2) Oligarquia – riqueza; 3) Aristocracia – manutenção da educação e das instituições nacionais; 4) Tirania – proteção do tirano.

> Retórica Demonstrativa

- Virtude: produzir e preservar coisas boas e/ou dar grandes benefícios, de todos os tipos em todas as ocasiões, que sejam úteis aos demais. Nobre: algo desejável por si mesmo e também digno de louvor.

- Justiça é possuir o que lhe é devido. A nobreza de algo está mais ligada à honra que ao dinheiro. Ela está associada às ações que um homem faz por seu povo sem pensar em si mesmo, mesmo que com isso precise morrer. São coisas que merecem ser lembradas.

- Quando quiser louvar alguém, pense naquilo que você desejaria que as pessoas fizessem; já quando quiser desejar que algo seja feito, pense naquilo que você louvaria em um homem por fazê-lo. Para estimular um homem a fazer algo de valor, compare-o com homens famosos e de grandes feitos ou pessoas que tenham excelência em algo.

> Retórica Judicial

- Injustiça: causar dano (prejuízo) voluntariamente contra a lei. Devem ser levados em consideração, para a retórica judicial: em primeiro lugar, a natureza e o número das razões pelas quais se comete injustiça; segundo, a disposição dos que a cometem; terceiro, a o caráter e a disposição dos que a sofrem.

- A lei pode ser específica (regula a vida de uma comunidade em particular) ou geral (princípios não-escritos que se supõem conhecidos por toda parte).

- As causas para atos intencionalmente prejudiciais são o vício e a falta de autocontrole. Todo mal qu alguém inflige aos outros corresponde às suas falhas de caráter.

- Toda ação é devida a uma destas sete causas: 1) Acaso – aquela cuja causa não pode ser determinada; 2) Natureza – causa fixa e interna; 3) Compulsão – contrário ao desejo ou razão; 4) Hábito – ações desempenhadas com freqüência, e que por isso dão prazer; 5) Raciocínio – tendo em vista algum bem; 6) Ira – vingança; 7) Apetite – prazer.

- Prazer é o movimento em que a alma é conscientemente levada ao seu estado normal ou natural. O contrário é a Dor. Prazeroso é o que não é forçado a nós; ou seja, atos que não envolvem compulsão.

- Para fazer uma injustiça, o malfeitor deve supor que a coisa pode ser feita, e feita por ele: 1) Ou pode ser feita sem que ninguém descubra; 2) Ou, caso descoberto, ele pode escapar da punição; 3) Ou, caso punido, a desvantagem é menor do que o ganho para ele ou para quem ele agiu.

- As pessoas acham que podem fazer uma injustiça sem serem punidos porque possuem: eloqüência, habilidade prática, experiência legal, muitos amigos ou uma grande quantia de dinheiro.

- Você pode se sentir apto a fazer parecer que o seu crime se deveu ao acaso, ou à necessidade, ou a causas naturais, ou ao hábito; ou seja, como se você tivesse falhado em fazer o bem ao invés de realmente ter feito o mal.

- Cometer uma injustiça a alguém que já fez mal a outras pessoas (ou teve a intenção, ou mesmo provavelmente o faria) tem um quê de agradável, pois parecer que quase não há injustiça nisso.

- Há dois tipos de lei: 1) Universal – lei da Natureza, justiça natural que liga todos os homens, ex.: Antígona; 2) Particular – cada comunidade a aplica a seus próprios membros.

- Uma injustiça pode ser causada a uma pessoa (ex.: adultério) ou à comunidade (ex.: recusar-se a fazer serviço militar). Sofrer injustiça consiste em sofrer prejuízo por alguém que teve a intenção de fazê-lo. Com isso, 1) Sofre dano real e 2) Sofre-o contra a sua vontade.

- Aquele que cometeu injustiça pode até admiti-lo, mas não aceitará os rótulos que o juiz lhe atribuir (roubo, adultério, sacrilégio...).

- Infortúnio é o ato com resultados inesperados, não devido à maldade moral. Erro de julgamento designa o ato cujos resultados poderiam ser esperados, mas este não se deve a maldade. Ato criminoso tem resultados que poderiam ser esperados, e ato se deve a maldade moral.

- Uma maneira retoricamente efetiva de fazer a acusação é alegar que não só um, mas vários crimes foram cometidos simultaneamente (“um crime que consiste em vários”).

- Os meios não-técnicos de persuasão são:

1) Leis – argumento pela lei universal ou pela ambigüidade na interpretação (“deve-se considerar a justiça e a conveniência”). Se lei for desfavorável, alegue que é uma situação sem precedente; se for favorável, apele à fidelidade da letra (lei).

2) Testemunhas – podem ser ancestrais (poetas, pessoas notáveis. Ex.: Homero, provérbios) ou recentes (pessoas conhecidas que expressaram suas opiniões sobre a matéria em disputa). As testemunhas que correm risco de punição caso suas evidências se revelarem falsas são confiáveis e altamente válidas. Se não tiver testemunhas, alegue ao juiz que decida pelo que é mais provável (verossímil); mas, se as tiver e o outro homem não, argumente que probabilidades não podem ser colocadas em julgamento.

3) Contratos – argumentos podem ser empregados para aumentar ou diminuir sua credibilidade. Em ambos os casos, apele ao caráter daquele que assinou ou tem custódia sobre o contrato. Se situação for desfavorável, diga para que decidam o que é justo (“onde repousa a justiça?”), ao invés de se ater ao documento; alegue também a questão da conveniência.

4) Torturas – a favor dela, pode-se dizer que é a única forma infalível de evidência; e contra, que pessoas sob compulsão mentem tanto quanto se não estivessem sob tortura. Pode ser considerada como evidência indigna de confiança ou valor de verdade.

5) Juramentos – se você se recusar a oferecer juramento, argumente que há risco de perjúrio, e que não tem vantagens em oferecê-lo (se ele jurar, você perde dinheiro; se não o fizer, os juízes vão decidir contra ele). Se recusar a aceitá-lo, alegue que isso se deve a altos princípios, que seria algo velhaco fazê-lo (diga que o outro é impiedoso, logo indigno de confiança). Se aceitar, diga que acredita em si mesmo, mas não no oponente; alegue piedade para o impiedoso. Se oferecer, diga que a piedade o dispõe a se comprometer com os assuntos divinos; fale que o oponente tem medo ou que não faria o mesmo.

Livro II

- Há três coisas que inspiram confiança no caráter do orador: bom senso, bom caráter moral e boa vontade. Porém, não bastam uma ou duas; é preciso ter as três.

> As Emoções

- A ira (raiva, cólera) é o impulso, acompanhado de dor, para uma vingança notável por um desprezo, também notável, dirigido sem justificativa quanto ao que concerne a alguém ou aos amigos de alguém. A expectativa de vingança traz prazer.

- Três são os tipos de desprezo: desdém, rancor e insolência.

- Sentimo-nos particularmente raivosos quando suspeitamos que nós de fato - ou que as pessoas pensam que - não possuímos a qualidade que julgamos ter (ex.: talento para a filosofia).

- Acalmar-se (ficar calmo) é apaziguar-se ou aquietar a raiva. Temor e respeito dissuadem a ira.

- Amigo é aquele que se regozija com as coisas boas e se entristece com as nossas amarguras, sem outra razão que não seja a pessoa amada. Amizade é querer para os amigos o que se deseja para si próprio.

- O medo consiste em uma situação aflitiva ou numa perturbação causada pela representação de um mal iminente, ruinoso ou penoso. As coisas temíveis são as que parecem ter um enorme poder de destruir ou de provocar danos que levem a grandes tristezas. O medo leva as pessoas a deliberar; ninguém delibera sobre casos desesperados.

- Como a maior parte dos seres humanos são bastante maus, dominados pelo desejo de lucro e covardes nos perigos, na maior parte dos casos é perigoso estar à mercê de alguém. - Os mansos, irônicos e velhacos são mais perigosos do que aqueles que falam com franqueza, pois nunca se sabe se estão prontos a atacar.

- A confiança é o contrário do medo; a esperança é acompanhada pela representação de que as coisas que estão próximas podem nos salvar. São confiantes os que pensam ter alcançado grandes êxitos, ou que estiveram à beira de perigos e deles escaparam.

- A vergonha é um pesar ou perturbação de espírito relativa a vícios, presentes, passados ou futuros, suscetíveis de levar a uma perda de reputação. Já a desvergonha consiste no desprezo ou insensibilidade perante estes mesmos vícios. Sentimos vergonha na presença daquelas pessoas cuja opinião nos interessa.

- Um favor é um serviço em relação ao qual aquele que o faz diz que faz um favor a alguém que tem necessidade, não em troca de alguma coisa ou em proveito pessoal, mas só no interesse do beneficiado.

- A piedade consiste numa certa pena causada pela aparição de um mal destruidor e aflitivo, afetando quem não merece ser afetado. As desgraças que nos parecem próximas são as que produzem piedade. Aqueles que reforçam o seu desgosto por meio de gestos, de vozes, de indumentária e, em geral, de gestos teatrais, excitam mais a piedade; ao pôr diante dos nossos olhos o mal, eles fazem com que ele pareça próximo.

- A indignação contrapõe-se à piedade; ambas são paixões próprias de um caráter nobre. A indignação se volta contra os que gozam de uma felicidade imerecida. Se um homem de bem não obtém o que é proporcional à sua virtude, isso é motivo de indignação. Porém, é preciso se julgar digno de algo.

- Sentirão inveja aqueles que são ou parecem ser nossos pares; julgam-se, por opinião própria ou na dos outros, serem muito inferiores ou superiores aos seus rivais. O sentimento de pena é acompanhado pelo prazer em situações contrárias; querem impedir que o vizinho consiga certos bens.

- A emulação consiste num certo mal-estar ocasionado pela presença manifesta de bens honoríficos e que se podem obter em disputa com quem é nosso igual por natureza, não porque tais bens pertençam a outrem, mas porque também não nos pertencem. Ela é própria de pessoas de bem, enquanto que a inveja é desprezível. São igualmente êmulos os que possuem bens de homens honrados (riqueza, abundância de amigos, cargos públicos etc.); julgam que são dignos de tais honrarias. Virtudes que são valorizadas: coragem, sabedoria e liderança. O contrário da emulação é o desprezo.

> Os Tipos de Caráter

- Os jovens são propensos aos desejos passionais e inclinados a fazer o que desejam. São volúveis: tão depressa desejam quanto deixam de desejar. A maior parte dos jovens vive na esperança. No começo da vida, nada há para recordar, tudo há a esperar. São impulsivos e otimistas, e preferem o belo ao conveniente.

- Os idosos são mais cautelosos; eles nada afirmam de categórico. Desconfiados devido à sua experiência, costumam ser mesquinhos e frios. Preferem o útil ao belo, e tendem a ser egoístas. Geralmente pessimistas.

- Os que estão no auge da vida (adultos) têm um caráter intermediário. Ex.: combinam temperança e coragem.

- Nobre é aquele cujas virtudes são inerentes a uma estirpe; possui nobre caráter quem mantém as suas qualidades naturais. A nobreza tende a tornar mais ambicioso quem a possui; há tendência para o desprezo.

- Os que possuem riqueza são soberbos e orgulhosos, voluptuosos e petulantes. Caráter: louco afortunado.

- Os poderosos são mais ambiciosos e viris que os ricos, mas também mais diligentes e dignos.

> Estrutura Lógica do Raciocínio Retórico

- Se foi possível um contrário existir um ter existido, também o outro contrário há de parecer possível. Se uma coisa aconteceu, ela deve ser examinada com base no que se segue.

- Argumento pelo exemplo: há duas espécies de exemplo – uma consiste em falar de fatos históricos (ex.: estratégias adotadas em guerras anteriores), a outra em inventá-los o próprio orador (ex.: parábolas – como os ditos socráticos -, fábulas – tais como as de Esopo).

- Vantagem da argumentação mediante fatos anteriores nas deliberações públicas: na maior parte dos casos, os acontecimentos futuros são semelhantes aos do passado.

- A máxima é uma afirmação geral que não se aplica ao universal, e não ao particular; não a todas as coisas, mas só às que envolvem ações e que podem ser escolhidas ou rejeitadas em ordem a uma determinada ação.

- As conclusões e os princípios dos entimemas, pondo de lado o silogismo em si, são máximas. Recorre-se ao epílogo apenas quando a máxima exprime algo de paradoxo ou controverso.

- Falar em termos gerais do que não é universal é adequado à lamentação e ao exagero.

- Para mostrar um caráter superior, o orador pode refutar ditos populares (“Conhece-te a ti mesmo”, p.ex.), contanto que evidencie sua intenção. Outro aspecto a ser considerado é que agrada aos ouvintes um discurso feito em termos gerais daquilo que tinham pensado entender antes em termos particulares.

- O caráter ético ocorre em discursos que manifestam claramente a intenção do orador.

- Os oradores mais incultos são mais hábeis em falar perante uma multidão, pois tocam no assunto de maneira mais direta, sem cair em obscuridade ou verborragia.

- Os oradores não devem tomar como ponto de partida todas as opiniões, mas só certas e determinadas. Aquele que aconselha, elogia e censura, acusa e defende, tem de argumentar sempre com fatos pertinentes e relevantes (ou que parecem ser). Estes fatos podem ser comuns ou próprios.

- Há duas espécies de entimemas: os demonstrativos (a conclusão se obtém a partir de premissas com as quais se está de acordo) e os refutativos (conduz a conclusões que o adversário não aceita).

- O acusador deseja parecer mais honesto que o acusado. Porém, em geral é absurdo censurar nos outros aquilo que fazemos ou podemos fazer e incitá-los a fazer o que não fazemos ou não faremos.

- Exemplos de lugares: começa-se por definir e determinar a essência de uma coisa, depois se raciocina sobre a questão tratada; indução; juízo proferido anteriormente sobre o mesmo caso (ou semelhante); o mesmo fato ter como conseqüência, ao mesmo tempo um bem e um mal (ex. da instrução – sabedoria x inveja); aconselhar ou dissuadir sobre duas questões opostas (argumento do tipo cambaio: “Se dizes coisas justas, serás amados dos deuses; se dizes coisas injustas, sê-lo-ás dos homens”); examinar os móbiles que incitam a ação e os que nos desviam dela (útil para induzir as pessoas a agir ou dissuadi-la por meio de considerações contrárias).

- Em público, louvamos principalmente o justo e o belo; mas, no fundo do coração, desejamos sobretudo o útil.

- Entre os entimemas, os refutatórios são mais apreciados que os demonstrativos, porque reúnem em forma condensada os contrários, e, quando postas em paralelo, as coisas aparecem mais claras ao ouvinte. Os entimemas de maior efeito são aqueles cuja condição é prevista pelo ouvinte, desde o princípio, pois este se sente satisfeito por pressentir o que se vai seguir, compreender à medida que vão sendo enunciados.

- Exemplos de espécies de entimemas aparentes: afirmar em último lugar, sob forma de conclusão, sem ter feito raciocínio completo; reunir na argumentação o que estava separado ou separar o que estava unido; empregar o exagero para estabelecer ou refutar uma argumentação (o ouvinte raciocina em falso sobre a existência ou não-existência do fato em questão, quando a realidade deste não lhe foi demonstrada); apresentar como causa verdadeira aquilo que não é causa (p.ex., tomar como efeito de uma coisa aquilo que se seguiu a ela); considerar uma coisa desde um ponto de vista geral e, depois, de um ponto de vista particular (silogismo aparente; é comum nas discussões erísticas).

- Na Retórica, a fraude provém de o verossímil não o ser absolutamente, mas só de maneira relativa.

- Podemos refutar ou utilizando o contra-silogismo, ou introduzindo uma contra-proposição (podem ser tiradas de quatro lugares: do próprio entimema, de seu semelhante, de seu contrário ou dos juízos pronunciados). Os entimemas são tirados de quatro lugares: o verossímil (o que existe ou parece existir), o exemplo (indução pelo semelhante), a prova (se funda no necessário e no real) e o sinal (se assenta no geral ou no real particular, quer este exista ou não). Não basta, pois, refutar mostrando que uma coisa não é necessária; deve-se mostrar igualmente que ela não é verossímil.

- A amplificação e a atenuação são entimemas que visam mostrar que uma coisa é grande ou pequena, boa ou má, justa ou injusta etc. Os argumentos que servem para refutar um entimema não diferem daqueles que servem para formulá-lo.

Livro III

> Estilo e Composição do Discurso

- Não basta possuir a matéria do discurso; urge necessariamente exprimir-se na forma conveniente, o que é de suma importância para dar ao discurso uma aparência satisfatória.

- A virtude do estilo consiste na clareza; ele não deve ser nem rasteiro nem empolado. Desviar uma palavra de seu sentido ordinário permite dar ao estilo maior dignidade. A arte deverá dissimular-se e não parecer afetada, mas natural.

- O termo próprio, o vocabulário usual e a metáfora são as únicas expressões úteis para o estilo do discurso puro e simples.

- A metáfora é o meio que mais contribui para dar ao pensamento clareza, agrado e um ar estrangeiro. Se o que queremos é ornar o assunto, tiraremos à metáfora do que no gênero há de melhor; se queremos rebaixá-lo, tirá-la-emos do que há de pior.

- As metáforas devem ser tomadas de objetos que pertençam a um gênero próximo ou uma espécie semelhante. De um modo geral, de enigmas bem-feitos é possível extrair metáforas apropriadas, porque elas são enigmas velados e nisso se reconhece que a transposição de sentido foi bem-sucedida.

- A frieza de estilo provém de quatro causas: 1) o emprego de palavras compostas; 2) palavras estranhas e obsoletas; 3) epítetos excessivamente longos, inoportunos ou numerosos; 4) metáforas inconvenientes, ridículas ou obscuras.

- Cinco condições para falar com correção e pureza: 1) o emprego correto das conjunções; 2) uso dos vocábulos próprios (para que não seja preciso recorrer às perífrases); 3) evitar expressões ambíguas; 4) distinguir os gêneros dos nomes (masculinos, femininos e neutros); 5) distinguir se está se tratando de um único, muitos ou poucos objetos.

- Para dar ampliação (amplidão) ao estilo, empregue a definição em vez do vocábulo; para obter a concisão, proceda da maneira contrária. Evitaremos assim o que há de desagradável e inconveniente, esteja ele no vocábulo ou na definição.

- O estilo terá a conveniência desejada, se exprimir as paixões e os caracteres e se estiver intimamente relacionado com o assunto. Esta relação existe quando se tratam de modo rasteiro assuntos importantes, nem enfaticamente assuntos vulgares ou enfeitando de ornamentos uma palavra ordinária – o que acarretaria em estilo cômico (“venerável figueira”).

- O que contribui para persuadir é o estilo próprio do assunto (ex.: se a ação é ímpia e vergonhosa, adotar o tom de um homem cheio de indignação e reserva; se a matéria é elevada, falar-se-á com admiração). O ouvinte compartilha dos sentimentos do orador que fala de maneira patética (provoca comoção emocional), mesmo que o discurso careça de fundamento; é por isso que muitos oradores impressionam o ânimo dos ouvintes, fazendo simplesmente ruído.

- Fórmulas tais como “Quem não sabe? Todo o mundo o sabe” fazem o ouvinte aquiescer por vergonha, para não dar a impressão de ignorar o que todos os outros sabem.

- O orador deve, antecipando-se, prever as censuras de outrem; o que ele diz parece então ser verdade, visto que tem consciência do que faz.

- O discurso deve possuir ritmo, não metro; do contrário, será poema. Ele deve possuir majestade e comover.

- Duas são as espécies de estilo: coordenado (o que por si não tem fim, a não ser que o assunto tratado chegue ao termo; devido a seu caráter indeterminado, carece de agrado) e periódico (implexo ou circular; é agradável, porque possui caráter determinado e harmonia, e também de compressão fácil).

- Os períodos não devem ser demasiado curtos (o que faz com que o ouvinte tropece muitas vezes; cadência precipitada) nem excessivamente longos (o que faz com que o ouvinte fique para trás; longo prelúdio).

- É naturalmente agradável a todos aprender sem dificuldade; logo, as palavras mais agradáveis são aquelas que nos trazem algum conhecimento. O estilo e os entimemas são elegantes quando geram em nós um conhecimento rápido das coisas.

- A imagem é uma metáfora, diferindo dela apenas por ser precedida de uma palavra; pelo fato de ser desenvolvida mais longamente, é menos agradável.

- Quanto à forma do estilo, esta agrada quando se reúnem termos opostos (ex.: paz e guerra).

- Três qualidades do estilo: metáfora (principalmente as baseadas na analogia), antítese e caráter expressivo.

- Uma expressão põe o objeto debaixo dos olhos (servir de tela) quando mostra as coisas em ato. Ex.: Homero, pela metáfora, animava o inanimado; em Filosofia, dá-se mostra de sagacidade quando, pela inteligência, discernem-se semelhanças, mesmo entre coisas muito afastadas.

- Os apotegmas (sentença breve, de caráter aforístico) mais finos e agudos são aqueles que dão a entender uma coisa diferente do que as palavras insinuam; p.ex., a quebra de expectativa, por meio de um jogo de palavras que, em sua forma alterada, surtem um efeito de surpresa. O uso da homonímia também pode ser interessante, como se verifica neste verso: “É belo morrer antes de feito alguma coisa que mereça a morte”.

- Quanto mais a frase é breve, tanto mais antitética e mais apreciada ela é. Quanto maior for o conteúdo da frase, mais espirituosa ela é.

- A cada gênero oratório convém um estilo diferente. O estilo escrito é o mais exato; o estilo das discussões é o mais dramático, podendo comportar duas espécies: uma traduz os caracteres, a outra, as paixões.

- Assim como os discursos escritos parecem acanhados nos debates, aqueles que se prestam à ação oratória, quando esta é suprimida, não surtem o mesmo efeito e parecem demasiado simples.

- O assíndeto dá efeito de amplificação: “Vim, entretive-me com ele, supliquei-lhe”.

- O estilo que convém nas assembléias do povo assemelha-se em vários pontos ao desenho em perspectiva; quanto mais numerosa é a multidão de espectadores, mais afastado deve ser o ponto donde se olha. Logo, deve-se privilegiar a ação e evitar a exatidão nos pormenores. O contrário ocorre na eloqüência judiciária.

- O estilo do gênero epidíctico (demonstrativo) é o que melhor se presta para ser escrito, pois sue objetivo próprio é a leitura. Em segundo lugar, vem o estilo judiciário e, por último, o deliberativo.

> As partes do discurso

- O discurso possui duas partes: indicar o assunto de que se trata e em seguida fazer a demonstração; ou seja, exposição e prova. A prolixidade (incluir divisões supérfluas e ridículas) deve ser evitada. No máximo, podemos admitir: o exórdio (proêmio), a exposição (narração), a prova e o epílogo (conclus.

- A função do exórdio (análogos: na poesia, o prólogo; na música, o prelúdio) é tornar clara a finalidade do discurso, preparando os ouvintes para a narração. Exprime logo de entrada o que se pretende dizer e apresenta o plano.

- Os exórdios do gênero epidíctico tiram-se do elogio e da censura; às vezes, também toma a forma de conselho (seja para nos induzir a fazer uma coisa ou dela nos afastar). No gênero judiciário, recorre a considerações que dizem respeito ao ouvinte, a fim de chamar-lhe a atenção ou distraí-la (fazê-lo rir, p.ex.), e conciliar a indulgência do juiz.

- As pessoas cuja causa é ou parece ser má recorrem a preâmbulos para ganhar tempo antes de tratar do assunto.

- Meios de refutar uma acusação:

1) Dissipar a má impressão que poderiam ter de nós;

2) Quanto aos fatos contestados, ou dizer que tal fato não existe, ou não é nocivo, ou carece da importância que nosso adversário lhe atribui, ou que não é injusto, ou que não é vergonhoso;

3) Dizer que há erro, efeito ou do azar ou da necessidade, ou invocar, para a ação, outro motivo diferente do que o acusador nos atribui;

4) Verificar se o acusador já esteve implicado na mesma inculpação;

5) Verificar se estão implicadas na mesma inculpação pessoas que, segundo a opinião pública, não estão sujeitos à mesma acusação;

6) Averiguar se quem nos acusa acusou outras pessoas, ou se outra o acusou a ele ou ainda outros foram tornados suspeitos;

7) Acusar, por nossa vez, quem nos acusa (isso mitigaria a confiança sobre o acusador);

8) Invocar o juízo proferido;

9) Falar contra a calúnia, mostrando que a acusação não se fia nos fatos e indícios;

10) Louvar durante muito tempo fatos sem importância e criticar brevemente fatos importantes, ou expor muitas ações honrosas para depois criticar apenas uma que diretamente se relaciona com o assunto (este último meio é mais conveniente ao acusador).

- A justa medida da narração consiste em dizer tudo quanto ilustra o assunto, ou provar que o fato se deu e que constituiu um dano e uma injustiça (e que, dessa forma, possui a importância que lhe atribuímos). Precisamos juntar à narração tudo que o contribua para valorizar o nosso mérito pessoal, e inserir tudo quanto seja agradável aos juízes. Quem se defende (o acusado) não deve perder tempo em narrar fatos sobre os quais reina acordo, exceto se for para provar que essa coisa não foi prejudicial.

- O caráter moral é indispensável à narração; o caráter é indicado pela intenção premeditada que induz à ação, e o caráter desta intenção é indicado pelo fim proposto. Ninguém acredita que haja, além da utilidade, outro motivo para toda ação voluntária. Também se deve conceder lugar ao patético, para provocar emoções.

- As provas devem ser demonstrativas, referentes a um dos possíveis assuntos de contestação:

1) No gênero judiciário, quando se alega que o fato tenha acontecido, cabe recorrer à demonstração da realidade do fato (obs.: este é o único gênero de contestação que admite necessariamente que uma das partes em causa agiu por maldade);

2) No gênero demonstrativo, a amplificação consistirá em demonstrar que os fatos são belos e úteis, raramente sendo preciso demonstrá-los;

3) No gênero deliberativo, a contestação pode incidir nos seguintes pontos: ou a coisa que se aconselha não acontecerá, ou acontecerá, mas neste caso ela não é justa, nem útil ou tão importante quanto se diz (lembre-se: a exemplificação é o que é mais apropriado ao discurso deliberativo; os entimemas, ao discurso judiciário).

4) Os entimemas refutativos são mais prezados que os demonstrativos, porque tudo quanto tem por fim refutar parece mais fundamentado num raciocínio rigoroso. Os contrários são mais facilmente reconhecidos, quando em contraste. As objeções são provas que se propõem refutar e destruir os argumentos do oponente. Se for o primeiro a falar, exponha suas próprias provas e em seguida ataque os argumentos contrários; se for o segundo, comece fazendo objeções ao discurso do adversário, destruindo-lhe os argumentos, para depois tornar nossos argumentos persuasivos.

- Empregos da interrogação:

1) Quando o adversário, depois de ter expressado uma das partes da alternativa, à menor interrogação suplementar responde um absurdo;

2) Quando, sendo evidente um primeiro ponto, é manifesto que, a seguir à interrogação, o adversário concederá o outro (ex.: Sócrates refuta a acusação de ateísmo feita por Meleto quando este, quando interrogado, concordou que Sócrates acreditava em “daimons”, logo também em deuses);

3) Para mostrar que o adversário se contradiz ou que suas afirmações são paradoxais;

4) Quando o adversário é obrigado a responder de maneira sofística (ex.: isto é ou não é), e assim destruir a asserção oposta, pois os ouvintes ficarão embaraçados.

- Meios de responder a uma interrogação:

1) Às interrogações equívocas devemos responder apresentando as divisões e as explicações necessárias;

2) Àquelas que parecem desfavoráveis à nossa causa, replicaremos com uma refutação, sem obscuridade;

3) Se o adversário conclui sob forma de interrogação, devemos, ao concluir, dar a razão que nos induziu a agir. (nunca se deve concluir sob a forma de interrogação, exceto se a verdade estiver inteiramente do nosso lado)

- A peroração (epílogo) compõe-se de quatro partes: 1) dispor favoravelmente os ouvintes em relação ao orador e desfavoravelmente perante o adversário; 2) amplificar ou atenuar o que se disse; 3) excitar as paixões no ouvinte (compaixão, indignação, cólera...); 4) proceder a uma recapitulação (relembrar os fatos e as razões invocadas, comparando-as e confrontando-as com as do adversário);

- Durante a conclusão, pode-se recorrer à ironia ao adversário. Termine com um assíndeto.