junho 20, 2011

Nietzsche, o Destruidor de Ídolos


Mini-curso sobre "O Crepúsculo dos Ídolos" (Nietzsche), realizado em 20 de Junho no CEM 02 Gama, em parceria com o Fórum Permanente de Estudantes (CESPE).

1 – Biografia

- Friedrich Wilhelm Nietzsche nasceu em 15 de Outubro de 1844, em Röcken, uma pequena cidade em uma província prussiana da Saxônia.

- Estudou filologia clássica, embora tenha feito um semestre de teologia (por desejo da mãe, afinal seu pai era pastor). Durante o período universitário, teve contato com as obras de Arthur Schopenhauer e David Strauss. Foi professor em Basel entre 1869 e 1879. Por causa de seu primeiro livro, “O Nascimento da Tragédia”, foi excomungado do círculo dos filólogos.

- O compositor Richard Wagner foi durante muitos anos um dos seus poucos e melhores amigos. Porém, discordâncias intelectuais e problemas pessoais levaram ao rompimento entre ambos, com Nietzsche acusando Wagner de ter se integrado à “cultura germânica”.

- Passou a maior parte da vida de alguma forma doente: problemas estomacais, enxaquecas, náuseas etc. Tentou várias dietas, e utilizou vários tipos de drogas, desde haxixe até soporíferos. A paralisia cerebral que lhe acometeu em 1889 pode ter sido causada pela sífilis terciária.

- Sua produção filosófica foi prolífica ao longo da década de 1880, na qual habitou as mais diversas localidades (Nice, Sils Maria, Genoa e Turim, principalmente). Em 1888, à beira do ataque de loucura que encerrou sua carreira, escreveu cinco obras e ainda deixou manuscritos incompletos.

- Em 3 de Janeiro de 1889, sofreu um colapso mental, que se revelou irreversível. Sua mãe e sua irmã passaram a cuidar dele. Morreu uma década depois, em 25 de Agosto de 1900, na cidade de Weimar.

2 – Principais Obras

- “O Nascimento da Tragédia” (1872): um tratado sobre arte dramática grega. Sua contribuição foi a oposição estabelecida entre o apolíneo (racional, ordenado) e o dionisíaco (passional, caótico).

- “A Gaia Ciência” (1882): compilação de mais de 300 aforismos. Foi neste livro que o autor falou pela primeira vez em “eterno retorno” e na morte de Deus.

- “Assim Falou Zaratustra” (1885): obra mais poética de Nietzsche. Resgate aos pré-socráticos para criticar a resignação à fé e a humildade, e propor um novo homem, acima do próprio homem.

- “Além do Bem e do Mal” (1886): escrito de caráter mais político e ambicioso. Propõe, por exemplo, que o cristianismo é platonismo para o povo e que o socialismo é ideologia de rebanho.

- “A Genealogia da Moral” (1887): continuação de “Além do Bem e do Mal”, é uma investigação histórica para entender a moralidade cristã. Discute o que são ideais ascéticos.

- “Ecce Homo” (1888): autobiografia de Nietzsche. A partir de sua experiência pessoal, trata das condições físicas e psicológicas mais adequadas para se filosofar; também comenta todos os seus livros.

- “O Anticristo” (1888): seria o 1º volume da “Transvaloração de todos os valores”. Possui reflexões polêmicas e ácidas sobre o cristianismo. Para Nietzsche, “O Evangelho morreu na Cruz”.

3 – “O Crepúsculo dos Ídolos”

- Subtítulo: “Como Filosofar a Marteladas”. “Ídolos”: tudo aquilo que foi chamado de verdade até hoje. “Crepúsculo”: a velha verdade chega ao fim, eis a boa nova. Os alvos são desde ídolos eternos até as “idéias modernas”.

- “Prefácio”: Existe poder de curar mesmo no ferimento, e há mais ídolos que realidades no mundo. Este pequeno livro é uma grande declaração de guerra.

- “Máximas e flechas”: O que não me mata me fortalec. Sem a música, a vida seria um erro. Que não são pôr sua vontade nas coisas lhes põe ao menos um sentido; isto é, acredita que nelas já se encontra uma vontade – eis o princípio da “fé”. Desconfio e evito todos os sistematizadores; a vontade de sistema é uma falta de retidão. Procurei grandes homens e sempre encontrei somente os macacos do ideal deles.

- “O problema de Sócrates”: Os grandes sábios são tipos de decadência. Sócrates pertencia à classe mais baixa do povo, e era feio. O tipo criminoso é feio. Com a dialética a plebe chega ao alto, derrotando um gosto refinado. A ironia era uma espécie de ressentimento popular, e o dialético degrada a inteligência de seu antagonista. Todo aperfeiçoamento (busca por ser absurdamente racional) é um mal-entendido. A luta contra os instintos foi apenas uma nova doença, e não um retorno à “virtude”.

- “A ‘razão’ na filosofia”: Os filósofos des-historicizam tudo; manejam conceitos-múmias. A moral é, no fundo, a negação dos sentidos. Só possuímos ciência enquanto aceitamos o testemunho de nossos sentidos, enquanto armamos e aguçamos nossos sentidos, ensinando-os a se dirigirem ao fim que nos propomos. I – Outra realidade é absolutamente indemonstrável; II – A “essência das coisas” não passa de um mundo de aparências, uma ilusão de ótica moral; III – Falar de um “outro” mundo é uma vingança contra a vida a partir da fantasmagoria de uma “outra” (e “melhor”) vida; IV – A divisão entre mundo “real” e “das aparências” é sintoma de decadência, pois os sentidos são a única realidade.

- “Como o ‘mundo verdadeiro’ se tornou finalmente uma fábula”: com o “mundo verdadeiro” abolimos também o mundo das aparências; é o fim do erro mais demorado, ponto culminante da humanidade.

- “Moral como antinatureza”: Ao acreditar que é preciso matar as paixões, a Igreja é contrária à vida; tanto que prega a castração e a extirpação. A moral é antinatural, pois condena os instintos de vida; é uma idiossincrasia de degenerados que causou profundo mal. A vida acaba onde o “Reino de Deus” começa.

- “Os quatro grandes erros”: I – Erro da confusão entre a causa e o efeito (trocar as condições pelos resultados). Porém, cada erro é conseqüência da degeneração do instinto, da desagregação da vontade; II – Erro da falsa casualidade (o espírito como causa); III – Erro das causas imaginárias (todo o domínio da moral e da religião). Com o desconhecido, há o perigo, e nosso primeiro instinto é eliminar esses estados penosos; logo, uma explicação é melhor do que nenhuma; IV – Erro do livre-arbítrio (a habilidade teológica para tornar alguém “responsável”, para assim punir e julgar, encontrar culpados). É preciso abolir os conceitos de culpa e castigo, e entender que não existe uma “finalidade”; não somos conseqüência de uma intenção ou vontade. Somos simplesmente pedaços do destino, parte do todo.

- “Os ‘melhoradores’ da humanidade”: Sempre se quis “melhorar” o homem, e a isso se deu o nome de moral. Porém, não existem absolutamente fatos morais. O juízo moral tem em comum com o juízo religioso o crer em realidades que não existem. A moral da criação (hindus) e a da domesticação (cristãos) se equivalem nos meios que utilizam para “melhorar” a humanidade: ter a vontade incondicional do oposto.

- “O que falta aos alemães”: Os alemães são vítimas dos dois maiores narcóticos europeus: o álcool e o cristianismo. O sistema educacional se esqueceu que a educação (formação) é o seu fim, e não o Reich.

As grandes épocas da cultura são épocas de decadência política (ex.: Alemanha na Era Napoleônica, França depois da Restauração). Sendo assim, a cultura aristocrática deve ser estimulada, mesmo se isso gere decadência política.

- “Incursões de um extemporâneo”: Schiller é um trombeteiro moral da arte. Para que haja esta, no entanto, o que é indispensável é uma pré-condição fisiológica: a embriaguez. O apolíneo é um visionário “par excellence”, enquanto o dionisíaco tem todo o seu sistema afetivo excitado e intensificado.

A hipocrisia faz parte das épocas de sólidas crenças, e hoje é raro encontrar os verdadeiros hipócritas. A filosofia de Kant fornece a fórmula superior do funcionário de Estado: aborrecido e domesticado.

O problema de Schopenhauer foi considerar a arte, o heroísmo, o gênio etc. como expressões da negação da Vontade, quando na verdade eles são a afirmação desta. A beleza não é redentora da sexualidade, mas exaltação dela. Nem é preciso dizer que Platão vai ainda mais longe.

A “arte pela arte” é uma luta contra a tendência moralizante da arte. Porém, esta tem sim um sentido, um objetivo: a vida. A arte é o grande estimulante da vida, mostrando-a inclusive no que tem de feio, duro e questionável. O artista trágico mostra justamente o estado sem temor ante o que é temível e questionável.

O egoísmo só tem valor se representa uma linha ascendente. Uma moral altruísta, baseada em motivos “desinteressados”, é quase a fórmula da decadência. É a desagregação dos instintos.

O cristão e o anarquista (mas também o socialista) são mais parecidos entre si do que se imagina. A partir de uma “bela indignação”, os dois atribuem o próprio mal-estar a algo, seja aos outros (anarquismo) ou a si mesmo (cristianismo). É como se alguém devesse ser culpado, e querem vingança para refrescar seu ódio mesquinho. Ambos, portanto, são decadentes.

As instituições liberais deixam de ser liberais assim que são alcançadas, pois minam a vontade de poder, ao alçarem a igualdade e a ausência de privilégios à condição de moral. Ele chegar a dizer que liberalismo é sinônimo de “animalização em rebanho”.

Liberdade é ter a vontade de responder de si; ser indiferente à própria vida; pôr os instintos viris (de guerra e vitória) acima daqueles da “felicidade”. O homem livre é guerreiro, pois conquista seu valor. É preciso ter necessidade de ser forte.

Nossas instituições já nada valem, pois perdemos os instintos dos quais elas nasceram. Para que haja instituições, é preciso haver vontade de tradição, autoridade e responsabilidade pelos séculos adiante, de solidariedade entre cadeias de gerações. Estando presente, algo como o Império Romano é formado. Atualmente, a Rússia é o único poder que tem durabilidade, que pode ainda prometer algo.

Os grandes homens, como as grandes épocas, são materiais explosivos em que se acha acumulada uma tremenda energia. A condição primeira destes gênios é uma longa espera e preparação para eles. Goethe e Napoleão foram dois dos poucos homens do século XIX que tentaram vencer os erros do século anterior (por exemplo, a sangrenta farsa da Revolução Francesa) por meio de um “retorno à natureza”; mas, não aquele proposto por Rousseau (o primeiro moderno, dotado de um desprezo enorme por si mesmo), porém a natureza sublime, livre e até mesmo terrível.

- “O que devo aos antigos”: Aos gregos não devo absolutamente nada, pois eles não chegam aos pés dos romanos. Platão é um “embuste superior”, pois se desviou dos instintos fundamentais dos helenos, já que tão impregnado de moral e tão cristão antes mesmo do cristianismo. É ingenuidade ver nos gregos “almas belas”; o que há de melhor neles é o lado dionisíaco: o forte instinto, a vontade de poder.

Tucídides e, talvez, o “Príncipe” de Maquiavel são os mais próximos a mim mesmo, pela incondicional vontade de não se iludir e enxergar a razão na realidade – e não na “razão” ou na “moral”.

Dioniso deve ser venerado, pois representa o instinto da vida, e a própria procriação como via sagrada. A orgia é sentimento de vida e de força transbordante. A vontade de viver dionisíaca é a chave para entender a tragédia – eis a eterna alegria do devir.

-“O martelo fala”: De fato, todos os criadores são duros. Somente o mais duro é o mais nobre.

4 – Revisão Bibliográfica

- Paulo César de Souza: Nietzsche concebeu “O Crepúsculo dos Ídolos” como síntese e introdução ao seu pensamento, uma espécie de “aperitivo” do que viria. Ao longo da obra há várias expressões que indicam uma inédita ânsia de ser compreendido, num pensador que via antes uma distinção no fato de ser mal compreendido. Mesmo assim, mantém seu ânimo guerreiro contra os “ídolos”, tanto os antigos (a moral cristã, os quatro grandes erros) quanto os novos (as idéias e tendências modernas). Seus ataques compõem um mosaico de temas e atitudes do autor: o perspectivismo, o “aristocratismo”, o irracionalismo em nome da razão, o materialismo, a abordagem psicológica, o anti-germanismo, a misoginia etc.

- Mazzino Montinari: “O Crepúsculo dos Ídolos” dá ao leitor a impressão de uma coleção disparatada de pequenos ensaios que, em si, não são mais aforismos, sobretudo entre os capítulos II e VII. Pode-se reconhecer com exatidão, em cada um deles, o destaque ao niilismo (e ao pessimismo) como sintoma, como expressão da “décadence”. Onde falta vontade de potência, há decadência. Todos os valores nos quais a humanidade resume seus mais elevados desejos são valores decadentes. Para Nietzsche, o valor da vida não pode ser julgado, porque o ser que emite tal juízo faz parte desta própria vida. O sentido filosófico do Crepúsculo dos ídolos não é uma sistemática da Vontade de potência, mas sua superação no pensamento do eterno retorno, pois a sistematização geral tomando ela como princípio eliminaria o perspectivismo e equivaleria à construção de uma metafísica.

- Allan Bloom: Nietzsche era um relativista cultural e percebia claramente o que isso significava: guerra e crueldade ao invés de compaixão. A “nietzscheização da esquerda” ocorre quando esta, em sua crise de valores (somada aos fracassos políticos), aderiu à idéia de que, se a criatividade pressupõe o caos, este é desejável. Porém, já nas raízes marxistas a conciliação é possível: tanto Nietzsche quanto Marx são materialistas desprezam o “espírito” e criticam a burguesia. Visto do ângulo correto, Nietzsche pode ser apropriado como um proponente da Revolução. Nietzsche também influenciou a opinião pública quanto ao abandono, nos assuntos políticos e morais, da distinção entre bem e mal.

- Olavo de Carvalho: Após mostrar que em muito do que o homem faz está presente o instinto de sobrevivência, Nietzsche conclui que esse instinto é “a essência” do bicho homem, e então reduz todas as demais qualidades humanas a disfarces do instinto de sobrevivência. Mas esse instinto, sendo comum a todas as espécies animais, não pode ser essência de nenhuma delas em particular. Se o fosse, nas demais teria de ser mera propriedade ou acidente, o que resultaria em afirmar que só uma espécie sobrevive por instinto, as outras apenas por hábito, por acaso ou talvez por frescura. Não é preciso dizer que elas não concordam com essa tese de maneira alguma.

O melhor em Nietzsche são as notas de psicologia pejorativa, que ele extrai da observação de si mesmo mas em seguida projeta, com autoconfiança adolescente, em Sócrates, em Jesus Cristo, na humanidade inteira. O ressentimento do doente contra as pessoas saudáveis é uma delas. Mas por que esse diagnóstico deveria aplicar-se antes a Sócrates, velho soldado robusto, do que ao próprio Nietzsche, paciente crônico que mal se levantava da cama?

5 – Influências

- Teoria das elites: Nietzsche demonstra “aristocratismo” ao reiterar que são raríssimos os homens que fazem alguma diferença para a humanidade. Portanto, o destino do mundo, inclusive o político, está nas mãos de alguns poucos dotados da “vontade de potência”.

- Existencialismo: Heidegger, Sartre e Camus foram influenciados por idéias como a de que o homem deve definir a natureza de sua própria existência, assim como as indagações sobre a existência de Deus.

- Ayn Rand: a obra desta romancista e filósofa libertária tem ecos nietzscheanos: o egoísmo racional, oposto ao altruísmo servil, e o “super-homem” individualista e íntegro (John Galt e Howard Roark, p.ex.).

- Pós-modernos: tanto na estilística quanto no conteúdo, Nietzsche foi uma inspiração profunda para o pensamento considerado ‘pós-moderno’. Exemplos desse legado: perspectivismo, recusa às metanarrativas, filosofia assistemática, relativismo moral e a crítica radical aos valores da Modernidade. Ex.: Jacques Derrida, Gilles Deleuze, Michel Foucault.

- Do Nazismo ao Anarquismo: a revolta generalizada - e muitas vezes contraditória - de seu pensamento inspirou desde movimentos totalitários (o Nacional Socialismo alemão, que via em Hitler o “übermensch”) até posturas contrárias a todas as instituições sociais, como anarquistas e niilistas.

junho 10, 2011

"O Banquete": entre os louvores a Eros e o Amor Platônico

52º colóquio, realizado em 6 de Junho.

1. Resumo da obra

- Fedro: o amor é importante para a ética. Eros é o deus mais antigo. Em discurso eloqüente, diz que o amor dirige a vida; quando se ama, tem-se vergonha de agir de forma reprovável ou humilhante. O amor insufla coragem, concede um dom. A ternura do amado (eronte) pelo amante (erasta) é mais admirável.


- Pausânias: estudo sociológico e cultural sobre as formas como o amor é tratado em diversas cidades gregas. Existem dois tipos de Eros, filho de duas Afrodites: a mais antiga (Urânia), mais elevada, e a mais nova (Pandêmia), mais carnal. Em Atenas, a regra ética para amantes é diferenciada. O ensino da virtude como finalidade do amor: o amante guia, o amado protege.


- Erixímaco: relaciona amor com medicina. Entende esta como a arte de amar; corpo são, mente sã. Homeopatia; a saúde tem a ver com a harmonia. Cabe ao médico advertir. Música, assim como o amor, harmoniza. Ceder ao amor de pessoas com costumes regrados leva ao amor celeste (Eros Urânio). Desregramento leva à doença.


- Aristófanes: existiam 3 gêneros: homens, andróginos e mulheres. O andrógino tem 4 mãos, 4 orelhas, 4 pernas, 2 órgãos genitais, andam em linha reta ou rolam. Por serem muito fortes e orgulhosos, desafiam os deuses, os quais resolvem cortá-los pela metade. O umbigo é a memória de uma completude que não voltará. Na medida em que cada um sente falta de sua cara-metade, o amor (Eros) é falta, procura.


- Ágaton: ao contrário de Fedro, diz que Eros é um deus muito jovem, e que detesta a velhice. Também é delicado, sensível e flexível. Antes do amor, havia o reino da necessidade. Eros transforma o homem em poeta. O amor é uma potência criadora que atinge homens, deuses e a natureza.


- Sócrates: ironiza o aspecto sofístico do discurso de Ágaton, que, embora belo, foi vazio. O filósofo se propõe a não fazer um elogio a Eros, mas a procurar dizer a verdade sobre ele (elogio filosófico). Quando já possuímos algo, não o desejamos. O amor consiste em saber da sua própria falta e limitação. Se ele ama a beleza, não pode ser belo.


- Diotima: embora não seja bom e belo, o amor não é feio e mau. Ele não é um deus, mas um daimon (demônio), um intermediário entre o sábio e o ignorante. O amor é filho da mendiga Penúria e do nobre Poros (Caminho). Eros pode ajudar a alcançar o que ele próprio não possui. Ele possui sete características: relação, desejo do que falta, intermediário, potência de união, filósofo (“um deus não deseja filosofar, pois já é sábio”), amante (o amor é aquele que ama) e parto (relação com a fecundidade, desejo de imortalidade).


- Alcibíades: embriagado, sente ciúmes de Sócrates e Ágaton, e relata várias situações que indicariam a frieza do filósofo perante os seus arroubos românticos. Diz-se escravizado por este amor. Porém, acaba por tecer um louvor a Sócrates. Embora utilize palavras vulgares, os discursos deste são inteligentes e dotados do desejo de beleza e plenitude.


2. Revisão Bibliográfica


2.1. Werner Jaeger

"Paidéia", pp. 718-749: O “Banquete” é um duelo de palavras entre pessoas que ocupam posições elevadas. A obra é a encarnação visível do primado da filosofia sobre a poesia. Para alcançar esta dignidade, a filosofia teve de converter-se também em poesia, ou pelo menos criar obras poéticas de primeira grandeza.

Já em Homero nos deparamos com os banquetes enquanto locais em que se glorificava a arete masculina (virtude) em palavras poéticas. Não se deve perder de vista a relação existente entre a escola filosófica e a tradição e prática dos banquetes, uma vez que estes figuravam entre as formas fixas de sociabilidade de mestres e alunos. É Platão o criador na nova forma filosófica do banquete. Ao valorizar a bebida, ele tem a certeza de que a filosofia infunde sentido novo a tudo, convertendo em valores positivos mesmo aquilo que bordeja a zona de perigo.

A idéia central do banquete é a união do eros e da Paidéia. Sem o impulso dionisíaco (as forças irracionais do Homem), jamais será possível atingir o cume da transfiguração suprema que atinge o espírito, quando este contempla a idéia do Belo.

O principal encanto dramático da obra reside na maestria das caracterizações individuais, que faz dos tipos antagônicos das concepções do eros dominante uma sinfonia incomparavelmente rica. O discurso socrático de Diotima é a cúpula do edifício, em que os discursos precedentes são como degraus que vão gradualmente subindo até ele.

Ao contrário de outros diálogos, não é Sócrates quem segura aqui a batuta de toda a discussão; ele é um de muitos oradores, e, além disso, o último. É por isso que só no final do “Banquete” a dialética aparece, em perfeito contraste com a retórica e brilhante poesia dos demais personagens. Em Fedro, há um duelo consciente da retórica sofística com a poesia. Falta-lhe, no entanto, precisão e uma definição concreta, aspectos melhor trabalhados por Pausânias. É na harmonia que Erixímaco vê a essência do eros, em uma concepção naturalista. Em uma audaciosa visão poética, Aristófanes apresenta o eros como o que se perdeu e que portanto se pretende voltar a encontrar. O discurso de Ágaton é o menos psicológico e mais idealista, voltado a enaltecer a perfeição de Eros. É, aliás, este discurso que Platão escolhe para fundo imediato do de Sócrates, justamente para por o esteta, sensualmente refinado, em contraste com o asceta filósofo.

Para Platão, o conceito de eros torna-se a suma e o compêndio da aspiração humana ao bem. Ao mesmo tempo, ele é o impulso para a verdadeira realização essencial da natureza humana, e portanto um impulso cultural no mais profundo sentido da palavra.

O significado humanista da teoria do eros no “Banquete”, como um impulso inato ao Homem que o leva à expansão do seu mais elevado eu, parte de uma distinção entre o homem-individualidade-fortuita e o homem superior.



2.2. Allan Bloom

Conclusão de "The Closing of the American Mind" (p. 381): "After a reading of the Symposium a serious student came with deep melancholy and said it was impossible to imagine that magic Athenian atmosphere reproduced, in which friendly men, educated, lively, on a footing of equality, civilized but natural, came together and told wonderful stories about the meaning of their longing. But such experiences are always accessible. Actually, this playful discussion took place in the midst of a terrible war that Athens was destined to lose, and Aristophanes and Socrates at least could foresee that this meant the decline of Greek civilization. But they were not given to culture despair, and in these terrible political circumstances, their abandon to the joy of nature proved the viability of what is best in man, independent of accidents, of circumstance. We feel ourselves too dependent on history and culture. This student did not have Socrates, but he had Plato's book about him, which might even be better; he had brains, friends and a country happily free enough to let them gather and speak as they will. What is essential about that dialogue, or any of the Platonic dialogues, is reproducible in almost all times and places. He and his friends can think together. It requires much thought to learn that this thinking might be what it is all for. That's where we are beginning to fail. But it is right under our noses, improbable but always present."


2.3. Harold Bloom


"Como Encontrar a Sabedoria": Única obra platônica que rivaliza em beleza com os poemas de Homero. A perspicácia de Platão implica a desleitura criativa de um precursor poético dominante, a fim de abrir espaço criativo para o que vem depois. A filosofia é arte literária, semelhante ou mesmo superior à arte de Homero, sendo também a arte da dialética, da conversação inteligente e refinada. O Sócrates de Platão encarna a arte do eros. A sapiência é o objetivo de Platão.