agosto 27, 2010

Operações espirituais e materiais em "A Montanha Mágica"

8ª reunião do Grupo de Estudos Humanistas, realizada em 27 de Agosto.

- Os dois pedagogos: Settembrini x Naphta:
“Quem era, afinal de contas, o livre-pensador e quem o homem pio? Onde se achava a verdadeira posição, o genuíno estado do homem? Devia ele desfazer-se, de modo tão libertino quanto ascético, no seio da coletividade absorvente e niveladora de tudo, ou cumpria-lhe tomar o partido do “indivíduo crítico”, em cujo interior se debatia o conflito entre a estroinice e a austeridade virtuosa do burguês?” (p. 637)

- Lodovico Settembrini: iluminista, liberal, ateu, beletrista, maçom, boa índole.
Alerta sobre Naphta:
“Senhores – prosseguiu o Sr. Settembrini, aproximando-se muito dos dois jovens e estendendo-lhes o polegar e o dedo médio da mão esquerda à maneira de uma forquilha, como para apanhar-lhes a atenção, enquanto erguia o indicador da direita em sinal de admoestação... –, gravem na sua memória que o espírito é soberano, que sua vontade é livre, que determina o mundo moral. Porém, se dualisticamente isola a morte, esta se converte, real e virtualmente, graças à vontade do espírito, numa potência própria, oposta à vida, num princípio antagônico, na grande sedução; e seu império é o da voluptuosidade. Os senhores perguntam: “Por que da voluptuosidade?” E eu respondo: porque a morte dissolve e redime, porque traz a redenção, mas não a redenção do mal, e sim a redenção pelo mal. Dissolve a ética e a moralidade, redime da disciplina e da moderação, liberta para a volúpia. (...) E o mais nobre dever do educador é pôr as almas dos jovens ao abrigo das suas emanações mefíticas.” (p. 561)
Defesa apaixonada do racionalismo:
"– Protesto! – gritou Settembrini, enquanto o seu braço teso estendia ao anfitrião a xícara de chá. – Protesto contra a insinuação de que o Estado moderno signifique a servidão diabólica do indivíduo! Protesto pela terceira vez contra aquela alternativa vexatória entre o prussianismo e a reação gótica diante da qual o senhor nos quer colocar! A democracia não tem outro sentido a não ser o de um corretivo individualista de toda forma de absolutismo do Estado. A verdade e a justiça são as jóias da coroa da ética individual, e no caso de um conflito com os interesses estatais talvez até assumam a aparência de potências inimigas do Estado, posto que, em realidade, visem ao seu bem superior, ao bem supra terreno. O Renascimento como origem da idolatria do Estado! Que lógica mais bastarda! As conquistas – emprego essa palavra no sentido literal! –, as conquistas do Renascimento e do Século das Luzes, meu caro senhor, chamam-se personalidade, direitos do homem, liberdade!" (p. 544)
Aforismo quando questionado sobre as motivações políticas da Maçonaria:
“Tudo é política” (p. 703).
Sobre a literatura:
“O efeito purificante e santificador da literatura, a destruição das paixões pelo conhecimento e pela palavra, a literatura como caminho à compreensão, à indulgência e ao amor, o espírito literário como o fenômeno mais nobre do espírito humano em geral, o poder salvador da língua, o literato como homem perfeito, como santo – era nessa tonalidade exaltada que decorria o panegírico apologético do Sr. Settembrini.” (p. 716)

- Leo Naphta: judeu, jesuíta, conservador, socialista, niilista, malicioso. 
O relativismo epistêmico:
“Verdadeiro é o que convém ao homem. Nele se acha resumida toda a natureza; em toda a natureza, apenas ele foi criado, e toda a natureza foi feita só para ele. Ele representa a medida das coisas, e sua salvação é o critério da verdade. Um conhecimento teórico que carecesse da relação prática com a idéia da salvação do homem seria de tal maneira desprovido de interesse que deveríamos negar-lhe todo valor como verdade e não poderíamos admiti-lo.” (p. 543)
A relação entre cristianismo e socialismo:
“Esses espíritos realmente humanos julgavam asquerosa a idéia de um aumento automático do dinheiro. (...) Não eram propensos a apreciar muito o próprio trabalho, pois ele é apenas um assunto ético e não religioso, e se realiza a serviço da vida e não de Deus. (...) Queriam eles que a produção se acomodasse às necessidades e abominavam a produção em massa. Bem, depois de séculos de soterramento ressurgem todos esses princípios e padrões econômicos no movimento moderno do comunismo. A semelhança é completa, até no significado da reivindicação da soberania, que pleiteia, contra a camada internacional de comerciantes e especuladores, o trabalho internacional, o proletariado do mundo, que hoje em dia opõe a humanidade e os critérios da Cidade de Deus à depravação burguês-capitalista. A ditadura do proletariado, essa exigência de salvação política e econômica dos nossos tempos, não tem o sentido de um domínio pelo domínio e por toda a eternidade, mas sim o de uma ab-rogação temporária do conflito entre o espírito e o poder sob o signo da cruz, o sentido de se triunfar sobre o mundo dominando-o, o sentido da transição e da transcendência, o sentido do Reino. O proletariado retomou a obra de Gregório; sente arder no seu íntimo o zelo piedoso do grande papa e, como ele, tampouco poderá impedir as suas mãos do derramamento de sangue. Sua incumbência é espalhar o terror para a salvação do mundo e para a conquista do objetivo da redenção, que é a relação filial com Deus, sem a interferência do Estado e das classes.” (p. 550)
O revolucionário conservador:
“Hans Castorp havia esperado que Naphta advogasse a conservação do suplício. Opinou que este talvez fosse tão revolucionário quanto o Sr. Settembrini, mas o era no sentido conservador, como revolucionário do conservantismo.” (p. 627)

- Os conceitos de liberdade
Settembrini:
"A liberdade é a lei do amor humano, e não o niilismo e a maldade." (p. 514)
“Ora, rapaz, você torna-se cada vez mais inteligente aqui em cima, com a sua biologia e botânica e com os seus pontos de inflexão inevitáveis. E desde o primeiro dia se preocupou com o “tempo”. Mas me parece que estamos aqui para ficar mais sadios e não mais sábios; mais sadios e completamente sãos, até que enfim nos devolvam a liberdade e nos enviem à planície como curados.” (p. 526)
“Settembrini perguntou se Naphta, por sua parte, partilhava dessa crença quanto às estrelas, ao que o jesuíta respondeu que se reservava o direito da humildade e da liberdade do ceticismo. Essas palavras davam mais um ensejo para formar uma idéia daquilo que ele entendia por “liberdade”, e deixavam entrever aonde conduziria esse conceito.” (p. 954)
Naphta:
“Se não me engano, o senhor se arvora em revolucionário. Mas, se acredita que o resultado das revoluções vindouras será a liberdade, iludiu-se redondamente. O princípio da liberdade cumpriu o seu destino e chegou a ser antiquado nos últimos quinhentos anos. (...) Todas as organizações verdadeiramente educadoras souberam sempre o que em realidade deve ser o último objetivo da pedagogia: a autoridade absoluta, a obrigação de ferro, a disciplina, o sacrifício, a renúncia a si próprio, o domínio da personalidade. (...) O que ela aprecia mais é a obediência." (p. 545-546)
“Naphta, por sua vez, sabia muito bem que o problema interno do homem tinha a sua raiz no antagonismo entre o real e o transcendental; por isso representava o verdadeiro individualismo, o individualismo místico, e era em realidade o campeão da liberdade e do “sujeito”.” (p. 636)

“Em última análise, a liberdade era um conceito do Romantismo antes do que da Época das Luzes, pois com aquele tinha em comum o entrelaçamento inextricável dos impulsos de expansão coletiva e do ensimesmamento apaixonadamente individualístico. A sede individualística de liberdade originara o culto histórico-romântico do nacional, culto esse que era belicoso e que o liberalismo humanitário tachava de sinistro...”
(p. 957)
Castorp:
“Terminou assim a tentativa da planície de se reapossar do fugitivo Hans Castorp. O jovem não se iludiu quanto à importância decisiva que o malogro completo, por ele previsto, tinha no que se referia às suas relações para com a gente lá de baixo. Significava isso, da parte da planície, a renúncia definitiva, que ela aceitava dando de ombros, e para ele, a liberdade completa, em face da qual o seu coração aos poucos deixava de estremecer.” (p. 600)
“Não, porque estás enferma. A doença te confere a liberdade. Torna-te... Espera, agora me ocorre uma palavra que nunca ainda empreguei: torna-te genial!” [Diálogo com Clawdia Chauchat] (p. 817)
“Como é bela a vida errante;
O universo por país; tua vontade por lei,
E sobretudo aquela coisa inebriante
Que é a liberdade, a liberdade!
” (p. 893)
“Deixavam-no em paz, pouco mais ou menos como se faz com um aluno que goza do estado singularmente feliz de já não ser examinado nem ter necessidade de trabalhar, porque a “bomba” é um fato consumado e ninguém mais se preocupa com ele; um tipo orgiástico de liberdade – digamos isso de passagem, perguntando-nos se a liberdade pode jamais ter outra natureza que não precisamente esta.” (p. 973)

- Zeitgeist – tédio e irritação. A questão do demônio (opositor, discórdia, dúvida).
“O jovem estudara aquele demônio com a curiosidade irresponsável de um viajeiro em busca de formação e até descobrira na sua própria alma perigosas aptidões para desempenhar um papel importante no culto abominável que todo mundo lhe devotava.” (p. 939)

- As regências de Castorp – o episódio da “Neve”. Devaneios. Insight sobre o amor.
“Em consideração à bondade e ao amor, o homem não deve conceder à morte nenhum poder sobre os seus pensamentos.” (p. 678)
- Peeperkorn e o elemento dionisíaco: aparição, continuação e desfecho. O “pedagogo” vencedor. Não tão distinto nas questões abstratas, mas imbatível em tudo aquilo que lida com o corpo e as emoções.
Métafora da cachoeira: descida para o mundo terreno, ao contrário da montanha.
Apologia ao sensualismo:
"– Isso refresca – disse ele. – O senhor não bebe mais nada? Então permita que eu tome mais um... – Derramou um pouco de vinho ao encher o copo. O lençol de cima estava salpicado de manchas vermelho-escuras. – Eu repito – prosseguiu com o dedo indicador em riste, enquanto na outra mão tremia o copo cheio –, repito: daí resulta a nossa obrigação, o nosso dever religioso de sentir. Nosso sentimento – compreende? – é a força viril que desperta a vida. A vida está dormindo. Quer ser acordada para celebrar bodas orgiásticas com o sentimento divino. Pois o sentimento, jovem, é divino. O homem é divino, desde que sente. É o sentimento de Deus. Deus o criou para sentir por intermédio dele. O homem é apenas o órgão por meio do qual Deus realiza o seu enlace com a vida despertada e ébria. O homem que fracassasse quanto ao sentimento aviltaria a Deus, seria a causa da derrota da força viril de Deus, a causa de uma catástrofe cósmica, de um horror inimaginável... – Tornou a beber." (p. 828)
O eterno retorno, em dois diálogos análogos:
“– Um momento! Não achas infame falarmos sobre ele desta maneira?
– De modo algum, Clávdia. Não, longe disso! É apenas humano. Tu gostas dessa palavra, que arrastas com uma ênfase fanática. Sempre me interessa ouvi-la pronunciada pela tua boca. (...) quando ela expressa liberdade, genialidade, bondade, é uma grande coisa, e, segundo me parece, não faz mal que a empreguemos a favor da nossa conversa sobre Peeperkorn e sobre as preocupações e as dificuldades que ele te causa. Claro que elas são a conseqüência da sua mania de pundonor, do medo de que o sentimento possa fracassar, esse medo que o faz amar tanto as dádivas clássicas e os meios de se regalar. Podemos falar disso com toda a reverência, pois nele tudo tem grande envergadura, a envergadura grandiosa de um rei, e nós não aviltamos nem a ele nem a nós próprios fazendo reflexões humanas sobre esse assunto.”
(p. 821)
“– Um momento! – disse Peeperkorn, continuando com os olhos desviados, mas detendo o seu interlocutor com um gesto da palma da mão. – O senhor não acha infame falarmos assim sobre ela?
– Não acho, Mynheer Peeperkorn. Não, senhor, nesse ponto me parece que o posso tranqüilizar completamente. Estamos falando de coisas humanas – humanas no sentido da genialidade e da liberdade. Desculpe essa expressão que talvez seja um pouco pomposa; mas uma emergência, há poucos dias, me fez lançar mão dela.”
(p. 836-837)

- Clawdia Chauchat e a paixão:
“Paixão é viver por amor à vida.” (p. 815)
O beijo de Clawdia e Hans:
“Decerto há caritas até na paixão mais furiosa e na paixão mais reverente. Sentido ambíguo? Pois que seja ambíguo o sentido do amor! Nessa indistinção se manifestam a vida e a humanidade. Revelaríamos uma desoladora falta de “malícia” se nos inquietássemos diante dessa ambigüidade.” (p. 823)

- Experiência estética: abrir-se às possibilidades (placet experiri).
“Hans Castorp pressentia, pressentia com absoluta nitidez, que essas experiências, fosse qual fosse o rumo que tomassem, não poderiam levar a um fim não insípido, não incompreensível, não desprovido de dignidade humana. Assim ardia por fazê-la. Percebia que “ociosa ou pecaminosa”, essa alternativa já de per si bastante triste, não constituía em realidade nenhuma alternativa, mas era uma mesma coisa, e que a inutilidade espiritual não era senão a forma de expressar, fora da moral, o caráter proibido da experiência. O princípio do placet experiri, porém, que lhe inculcara certa pessoa que indubitavelmente desaprovaria com a maior veemência tentativas dessa espécie, continuava arraigado em Hans Castorp. Aos poucos coincidia a sua ética com a sua curiosidade, o que, na verdade, sempre fizera; com essa mesma curiosidade irrestrita, própria de um viajeiro ávido de formação, que, ao saborear o mistério da personalidade, talvez já se achasse próxima do domínio que agora se lhe deparava, e a qual revelava uma espécie de espírito militar, por não se esquivar da esfera vedada, desde que esta se oferecia a ela.” (p. 904-905)

- Estilo narrativo: conversas com leitor, como se estivesse selecionando fatos para esclarecer ou exemplificar digressões.

“O tempo – mas não aquele que marcam os relógios de estação, cujo ponteiro grande dá saltos bruscos, de cinco em cinco minutos, senão o indicado por relógios pequeninos, cujo movimento de agulhas permanece imperceptível, ou o tempo que a relva leva para crescer, sem que nenhum olho o perceba, apesar de ela fazê-lo constantemente, o que um belo dia se torna um fato inegável; o tempo, uma linha composta de um sem-número de pontos sem extensão – o malogrado Naphta perguntaria provavelmente como coisas desprovidas de extensão conseguem produzir uma linha –, o tempo, à sua maneira silenciosa, imperceptível, secreta e contudo ativa, havia continuado a trazer consigo transformações."
(p. 974)

- O Sanatório: espaço político, esfera privada ou uma intimidade não totalmente desligada das pressões externas? Mesmo que com ressalvas, o conceito de “campo” (Bourdieu) se aplica?
“As brigas por motivos fúteis, as recriminações mútuas em presença das autoridades empenhadas em reconciliar os digladiantes, mas que sucumbiam elas próprias, com espantosa facilidade, vítimas da tendência geral para a gritaria grosseira – tudo isso se tornara freqüente no Sanatório Berghof. Os que saíam de casa mais ou menos tranqüilos eram incapazes de prever em que estado voltariam.” (p. 940)

- O Duelo: oposição entre os dois pedagogos chega ao extremo.
Morrer por um ideal:
“Quem não é capaz de arriscar a vida, o braço, o sangue na defesa de um ideal não é digno dele. Em que pese a nossa espiritualização, cumpre sermos homens.” (p. 964)
As conseqüências são trágicas:
“– O senhor atirou para o ar – disse Naphta, controlando-se, enquanto baixava a arma.
Settembrini replicou:
– Eu atiro como quero.
– Atire o senhor novamente.
– Nem penso nisso. Agora é a sua vez. – Com a cabeça erguida, o Sr. Settembrini olhava o céu. Colocara-se quase de lado, não expondo o peito em cheio ao outro, o que era comovente de se ver. Evidentemente alguém lhe aconselhara não oferecer ao adversário toda a largura do corpo, e ele se inspirava por essa advertência.
– Covarde! – bradou Naphta, e com esse grito humano admitiu que era preciso maior coragem para atirar do que para servir de alvo. Levantou então a pistola de um modo que nada mais tinha em comum com um combate, e descarregou-a na própria cabeça.
Que cena trágica, inesquecível! (...) Todos permaneceram imóveis durante um momento. Settembrini, depois de arrojar a pistola para longe de si, foi o primeiro a aproximar-se de Naphta.

– Infelice! – exclamou. – Che cosa fai, per l’amor di Dio?” (p. 972)

- O Trovão da I Guerra Mundial: Hans, justamente quando gozava de ampla liberdade, faz suas malas e vai para o confronto. O que podemos concluir a partir deste desfecho?
“Adeus – para a vida ou para a morte! Tens poucas probabilidades a teu favor. O macabro baile ao qual te arrastaram durará ainda vários anos malignos. (...) Certas aventuras da carne e do espírito, sublimando a tua singeleza, fizeram teu espírito sobreviver ao que tua carne dificilmente poderá resistir. Momentos houve em que, cheio de pressentimentos e absorto na tua obra de “rei”, viste brotar da morte e da luxúria carnal um sonho de amor. Será que também da festa universal da morte, da perniciosa febre que ao nosso redor inflama o céu desta noite chuvosa, surgirá um dia o amor?” (p. 986)

agosto 25, 2010

Próxima reunião do GEH: A Montanha Mágica, parte 2

SETTEMBRINI VS. NAPHTA
Quem vencerá o duelo pela alma de Hans Castorp?

Grupo de Estudos Humanistas
“A MONTANHA MÁGICA”
(THOMAS MANN)

Qual a verdadeira oposição entre Settembrini e Naphta? Qual o conceito de liberdade daquele, um italiano, racionalista e liberal, e deste, um judeu, jesuíta e “revolucionário conservador”?
O sanatório é percebido como um espaço isolado, afastado da realidade?
O que representam as escolhas que Hans Castorp faz ao longo da obra? O desfecho dele indica coexistência ou conflito entre liberdade individual e responsabilidade cívica?
“Será que também da festa universal da morte, da perniciosa febre que ao nosso redor inflama o céu desta noite chuvosa, surgirá um dia o amor?” (capítulo 7, “O Trovão”)
Estas e outras indagações serão levantadas em nossa discussão. Não perca!

Sexta-feira, 27 de Agosto, às 15h, na Sala de Reuniões do IPOL.

Sugestão de leitura: os subcapítulos “Mais alguém”, “Da cidade de Deus e da redenção pelo mal”, “Operationes spirituales”, “Mynheer Peeperkorn (continuação)” “A grande irritação” e “O Trovão”. O texto está na pasta 11 da Xerox do CADIR.

agosto 13, 2010

A Busca pelo Sentido da Vida nos Cumes da "Montanha Mágica"

7ª reunião do Grupo de Estudos Humanistas, realizada em 13 de Agosto.

1. Biografia


- Paul Thomas Mann nasceu na cidade alemã de Lübeck, em 1875. Seu pai era o senador e mercador Thomas Johann Heinrich Mann e sua mãe era Júlia da Silva Bruhns, brasileira. Johann era luterano e Júlia, católica.

- Na universidade, estudou história da arte, economia, literatura e história para seguir a carreira de jornalista. Casa-se em 1905 com a atriz judia Katia Pringsheim.

- Durante boa parte da vida foi conservador. Apoiou a Alemanha na I Guerra Mundial, em uma situação na qual a defesa nacional ganhou tons de auto-justificação (“Reflexões de um Apolítico”). Entretanto, os rumos do conflito afetaram seus posicionamentos políticos e ideológicos, aproximando-o do liberalismo democrático e da social-democracia. Ele, por exemplo, foi um árduo defensor da República de Weimar e fez vários discursos radiofônicos para a BBC, que os transmitia para ouvintes alemães, criticando Hitler e os nazistas.

- Principais obras: “Os Buddenbrooks” (1901), “Tonio Kröger” (1903), “Morte em Veneza” (1912), “A Montanha Mágica” (1924), “Carlota em Weimar” (1939) e “Doutor Fausto” (1947). Ganhou o Prêmio Nobel de Literatura, em 29.

- Em 1933, em razão da ascensão do Nazismo (em relação ao qual, desde o início, ele foi ferrenho opositor), exila-se na Suíça. Seis anos depois, em 39, muda-se para os Estados Unidos.

- Retorna à Suíça treze anos depois. Faleceu aos oitenta anos, em Zurique, em 1955.

2. Interpretação

- “A Montanha Mágica”, publicado em novembro de 1924, é um romance de formação (“bildungsroman”). Narra-se e reflete-se sobre o crescimento e amadurecimento, tanto biológico quanto espiritual, de um personagem, do nascimento à morte. Este protagonista também é símbolo de uma época, dos valores e experiências que marcam certo período histórico, intelectual e cultural. E é justamente neste que o personagem da trama aprenderá mais sobre si mesmo, os outros e também quanto à própria existência humana.

- O termo “saga”, com as devidas proporções, aplica-se ao caso do livro, embora “bildung” seja o mais interessante para apreendermos o que Mann e outros autores de romances de formação pretendem com este gênero. O primeiro deles foi ninguém mais, ninguém menos do que Johann Wilhelm von Goethe, em “Os Anos de Aprendizagem de Wilhelm Meister”. Há um caráter pedagógico, pois o protagonista apreende ao máximo a experiência humana ao longo de sua trajetória: o amor, a ciência, a política, os conflitos sociais, a arte, a filosofia, a fé e o próprio tempo. Porém, Mann adiciona o debate sobre a Modernidade, com todas as correntes (sejam elas apologéticas ou críticas) entrando em debate ao longo da obra. Além disso, pode-se afirmar que a liberdade (que, de certa maneira, iguala-se ao empreendimento de “busca pelo sentido da vida”, no pleno sentido humanista) seja o assunto principal deste romance.

- O estilo da narrativa de Thomas Mann é elegante, tecnicamente perfeito e de uma precisão descritiva notável. O livro flui bem, sendo capaz de causar indagações e questionamentos, mas também de emocionar o leitor. Há fluxos de consciência, embora mais pelo caráter de monólogo interior e análise psicológica do que, como no caso de “Ulisses” (James Joyce), pelo experimentalismo lingüístico. A voz narrativa é em 3ª pessoa, mas que esporadicamente se torna 1ª quando o narrador quer emitir alguma idéia ou opinião sobre os acontecimentos e personagens. O tempo cronológico tem um caráter psicológico – a trama se passa durante sete anos, mas a velocidade da passagem do tempo é decrescente: o primeiro dia de Hans no sanatório ocupa cerca de 100 páginas, depois se sucedem os primeiros dias; logo, as semanas começam a não se diferenciar e, em certo momento, até os anos passam com rapidez.

- Hans Castorp: o personagem principal do romance é um rapaz singelo, gentil e de passado aristocrático. Não por acaso, valoriza mais o ócio que o trabalho, muito embora seja um aprendiz de engenheiro. O charuto simboliza esse desejo de prazeres caros a um “bon vivant”. Porém, teve experiência precoce e constante com a morte: entre os 5 e os 8 anos, viu a mãe, o pai e o avô falecerem. Esta tripla orfandade pode explicar o fascínio – e, ao mesmo tempo, a ausência de medo – que Castorp tem pela morte.

- Logo no início da obra, Thomas Mann caracteriza seu protagonista como medíocre. Não o faz com referência à inteligência ou caráter, mas quanto ao próprio tempo e espaço em que vivia. Em outras palavras, nada havia em seu contexto que lhe favorecesse dons heróicos e ímpares. Seria esta uma reflexão de Mann sobre a falta de grandiosidade individual e a uniformidade dos tempos modernos?

- O porquê da mediocridade de Hans Castorp fica explícito em um trecho do subcapítulo “Da casa dos Tienappel e do estado moral de Hans Castorp”:

“O homem não vive somente a sua vida individual; consciente ou inconscientemente participa também da vida de sua época e dos seus contemporâneos. (...) O indivíduo pode visar numerosos objetivos pessoais, finalidades, esperanças, perspectivas, que lhe dêem o impulso para grandes esforços e elevadas atividades; mas quando o elemento impessoal que o rodeia, quando o próprio tempo, não obstante toda a agitação exterior, carece no fundo de esperanças e perspectivas, quando se lhe revela como desesperador, desorientado e falto de saída, e responde com um silêncio vazio à pergunta que se faz consciente ou inconscientemente, mas em todo caso se faz, a pergunta pelo sentido supremo, ultra pessoal e absoluto, de toda atividade e de todo esforço – então se tornará inevitável, justamente entre as natureza mais retas, o efeito paralisador desse estado de coisas, e esse efeito será capaz de ir além do domínio da alma e da moral, e de afetar a própria parte física e orgânica do indivíduo.” (p. 47-48)

- Joachim Ziemssen: temperamento genuinamente militar, como demonstra a seguinte passagem do subcapítulo “Temor nascente. Dos dois avôs e do passeio de barca ao crepúsculo”:

“Havia, pois, o brioso Joachim, atormentando e maçando o Dr. Behrens, a fim de obter a licença de partir e de fazer o almejado serviço na “planície”, na “baixada”, como os que viviam aqui em cima chamavam, com leve mas nítido desprezo, o mundo das pessoas sadias. Para que chegasse mais rapidamente ali e poupasse um pouquinho daquele tempo que aqui se gastava tão generosamente, dedicava-se com o máximo rigor à cura regulamentada; fazia-o para recuperar a saúde, sem dúvida, mas também, como Hans Castorp adivinhava de vez em quando, por amor ao próprio regime, que, afinal de contas, era um serviço como qualquer outro, e cumprir esse dever era cumprir seu dever. Por isso acontecia todas as noites que Joachim, ao cabo de um quarto de hora, já insistia com ele em que abandonassem a reunião dos pensionistas e se recolhessem ao repouso noturno, e isso tinha as suas vantagens, pois a pontualidade militar do primo acudia ao espírito civil de Hans Castorp (...) No entanto, o fato de Joachim ter tanta pressa de abreviar a vida social no salão era também devido a outro motivo de natureza secreta, mas que Hans Castorp compreendia perfeitamente (...) o modo particularmente doloroso com que a boca do primo se crispava em determinados momentos. Ora, Marusja, a sempre risonha Marusja com o pequeno rubi no formoso dedo, com o perfume de flor de laranjeira e com os seios opulentos, mas carcomidos, também costumava estar presente às reuniões sociais, e Hans Castorp percebeu que essa circunstância afugentava Joachim, precisamente porque o atraía em excesso, de uma forma pavorosa. Joachim também se sentia “preso numa cela” (...) Em todo caso achava-se Joachim por demais ocupado consigo mesmo para que a sua existência pudesse significar uma ajuda íntima para Hans Castorp.” (p. 202-203)

- Lodovico Settembrini: o auto-intitulado humanista. Este escritor italiano é um alterego tanto de Heinrich Mann (o irmão politizado de Thomas) quanto do próprio autor de “A Montanha Mágica”, com o qual compartilhava a vocação para a pedagogia da alma humana. Settembrini evoca valores liberais, burgueses, republicanos, democráticos, progressistas... enfim, tudo aquilo que pode ser associado ao Iluminismo e ao Cânone Ocidental. Critica constantemente a morbidez de Castorp, pois se preocupa com a fascinação que o mesmo tem pelo que há de sagrado na morte, pelo “oriental”, “bárbaro” – enfim, a alma nômade e em gradual degradação do protagonista engenheiro. Cunha a expressão “filho enfermiço da vida” para designar o jovem.
O italiano é um ativista, filiado à Liga Internacional para a Organização do Progresso, que não pode ir aos encontros deste grupo em razão da doença; compensa esta frustração com seu empenho em uma Enciclopédia cujo objetivo é demonstrar, pelas belas-letras, o caminho para suprimir o sofrimento humano. Porém, é uma figura ambígua, pois, ao mesmo tempo em que tenta ser o Virgílio para o Dante que vê em Hans Castorp, é ele próprio uma pessoa que não realiza plenamente aquilo que defende. Acima de tudo, porque ele próprio está no sanatório. Além disso, o homem demiurgo que idealiza é impossível e indesejável; essa “fé” no potencial humano, ao se desligar de qualquer religiosidade e até mesmo espiritualidade, aos olhos de Mann se torna satânica, demoníaca. Ou, em outras palavras, um individualismo arrogante e moralista (no mau sentido).

- Os doutores Behrens e Krokowski: alto e de mãos largas, o primeiro destaca-se pela ironia e, às vezes, pelo cinismo com que trata os pacientes; porém, é muito popular entre os pacientes, especialmente os do sexo feminino. Seu assistente, mais jovem e bonachão, notabiliza-se pelas suas palestras, como aquela em que analisa o amor, com um olhar que mescla o poético o científico:

“Existia então uma tensão extraordinária (...) entre os dois grupos de forças que eram a necessidade de amor e os impulsos contrários, dentre os quais cumpria mencionar a vergonha e o asco. Travada nos abismos da alma, essa luta impedia, nos ditos casos, que os instintos extraviados chegassem a ser abrigados, protegidos e moralizados, daquele modo que conduzia à harmonia usual e à vida erótica regular. E como terminava esse combate (...) entre as potências da castidade e do amor? Terminava, aparentemente, com a vitória da castidade. O medo, as conveniências, a repugnância pudica, o trêmulo desejo de pureza – todos eles oprimiam o amor, mantinham-no agriIhoado, nas trevas, davam acesso à consciência e à atividade, quando muito a uma parte, jamais, porém, ao todo múltiplo e vigoroso das suas reivindicações confusas. No entanto, essa vitória da castidade não era mais que aparente, não passava de uma vitória de Pirro, pois a potência do amor não se deixava reprimir nem violentar, o amor oprimido não estava morto, não; vivia, continuava, nas trevas, no mais profundo segredo, a almejar a sua realização (...) E qual era, afinal, a forma e a máscara que usava o amor vedado e oprimido na sua reaparição? (...)
– Sob a forma de doença. O sintoma da doença nada é senão a manifestação disfarçada da potência do amor; e toda doença é apenas amor transformado.
Agora sabiam o segredo, se bem que nem todos fossem capazes de apreciá-lo devidamente.” (pp. 176-177)

- “Satã”: Hans Castorp conhece o histriônico Lodovico Settembrini.

“Ah, Virgílio, Virgílio! Ninguém o superou, meus senhores! Acredito no progresso, certamente, mas Virgílio dispõe de adjetivos que nenhum moderno encontraria... – Enquanto regressavam, começou a recitar versos latinos com pronúncia italiana. Interrompeu-se, porém, quando se encontraram com uma mocinha qualquer, aparentemente uma aldeã, e de modo algum notável pela sua beleza. Abriu então um sorriso donjuanesco e meteu-se a cantarolar. – Ts, ts, ts – estalou a língua. – Ai, ai, ai! Oh la la! Moscazinha bonitinha, quer ser minha? Vejam só, “seus olhos brilham à luz furtiva” – citou sabe Deus que autor, e enviou um beijo em direção à jovem, que lá se ia, toda confusa.
“Que grande doidivanas!”, pensou Hans Castorp, e não mudou a sua opinião, quando Settembrini, após esse acesso de galantaria, voltou a dizer mal.” (pp. 87-88)

- “Excurso sobre o Sentido do Tempo”: reflexão do narrador sobre um dos temas principais da obra.

“Crê-se em geral que a novidade e o caráter interessante do conteúdo “fazem passar” o tempo, quer dizer, abreviam-no, ao passo que a monotonia e a vacuidade lhe estorvam e retardam o fluxo. Isto não é verdade, senão com certas restrições. Pode ser que a vacuidade e a monotonia alarguem e tornem “tediosos” o momento e a hora; porém, as grandes quantidades de tempo são por elas abreviada se aceleradas, a ponto de se tornarem um quase nada. Um conteúdo rico e interessante é, por outro lado, capaz de abreviar a hora e até mesmo o dia; mas, considerado sob o ponto de vista do conjunto, confere amplitude, peso e solidez ao curso do tempo, de maneira que os anos ricos em acontecimentos passam muito mais devagar do que aqueles outros, pobres, vazios, leves, que são varridos pelo vento e se vão voando. O que se chama tédio é, portanto, na realidade, antes uma brevidade mórbida do tempo, provocada pela monotonia (...) O hábito representa a modorra, ou ao menos o enfraquecimento, do senso de tempo.” (p. 144)

- “Politicamente Suspeita!”: capítulo que trata da música. Passa-se no primeiro domingo de Hans Castorp em Davos-Platz.

“– O senhor chega tarde ao concerto, Sr. Settembrini. Já está quase no fim. Não gosta de música?
– Por ordem superior, não – replicou Settembrini. – Nem quando é ditada pelo calendário. Não simpatizo com ela, quando tem um cheiro de farmácia e me é ministrada pelas autoridades para fins sanitários. Estimo ainda um pouco a minha liberdade, ou pelo menos aquele restinho de liberdade e dignidade humana que sobra a gente como nós. Em ocasiões como esta, costumo comparecer como visitante (...). Fico durante um quarto de hora e depois vou-me embora. Isso me dá a ilusão de independência... (...) A música? Representa ela tudo o que existe de semi-articulado, de duvidoso, de irresponsável, de indiferente (...); conseqüências; é perigosa porque induz a gente à complacência satisfeita... (...) Aparentemente a música é toda movimento, e contudo suspeito nela o quietismo. Permita que eu leve a minha tese ao exemplo: tenho contra a música uma antipatia de caráter político.” (pp. 156-157)

- “Liberdade”: a conciliação entre sensibilidade e racionalidade, cara a Schiller, aparece sutilmente no seguinte trecho:

“Hans Castorp escrevia com uma facilidade cada vez maior, e não compreendia como pudera ter receio da redação dessa carta. (...) Hans Castorp pediu que lhe enviassem as coisas de que necessitava. Terminou solicitando a remessa regular do dinheiro de que precisava; oitocentos marcos por mês seriam suficientes para cobrir todas as despesas. Assinou. Estava feito o trabalho. Essa terceira carta esgotava o assunto e teria um efeito duradouro – não segundo os conceitos de tempo que reinavam lá embaixo, mas segundo os dali de cima. Consolidaria a liberdade de Hans Castorp. Era essa a palavra que ele empregava, não expressamente, e nem sequer formando as sílabas no seu íntimo, mas sentindo-lhe o significado mais amplo, assim como o aprendera ali, significado que pouco tinha que ver com aquele que Settembrini dava à palavra. A isso, uma onda de espanto e de emoção, sentimento já conhecido dele, percorreu-lhe o interior, arrancou-lhe um suspiro e lhe fez estremecer o peito.” (p. 308)

- “Enciclopédia”: Castorp causa a curiosidade e risadas de todos no sanatório com a sua conduta de apaixonado, sempre esperando as ocasiões de ver Clawdia Chauchat. Em uma dessas situações, Settembrini expõe-lhe sua ligação a um grupo político que objetiva a abolição do sofrimento.

“Humanista? Claro que o sou. O senhor nunca me apanhará manifestando tendências ascéticas. Digo “sim” ao corpo, honro-o e sinto amor por ele, assim como faço em face da forma, da beleza, da liberdade, da alegria e do gozo, assim como tomo o partido das coisas mundanas, dos interesses da vida, contra a aversão sentimental ao mundo; represento o Classicismo contra o Romantismo. Acho que a minha posição é inequívoca. Mas existe um poder, um princípio ao qual dedico a minha mais fervorosa aprovação, meu supremo respeito e amor, e esse poder, esse princípio é o espírito. Por mais que eu abomine ver como alguns procuram opor ao corpo qualquer fantasmagoria suspeita que chamam de “alma”, não ignoro que, dentro da antítese de corpo e espírito, o primeiro representa o princípio mau e diabólico; pois o corpo é natureza, e a natureza – repito que se trata da sua oposição ao espírito, à razão – é má; mística e má! ‘O senhor é humanista!’ Indiscutivelmente sou humanista, por ser amigo do homem, como o era Prometeu, um enamorado da humanidade e da sua nobreza. Mas essa nobreza acha-se encerrada no espírito, na razão, e por isso será inútil o senhor me acusar de obscurantismo cristão...” (pp. 340-341)

- A ambiguidade sexual de Hans Castorp, de certa maneira, reside na do próprio escritor (vide os contos “Morte em Veneza” e “Tonio Kröger”, de conotação homoerótica). Este aspecto fica explícita no capítulo, no qual Castorp percebe que parte de seu fascínio (e atração física) por Clawdia Chauchat devem-se ao fato de que o olhar e os trejeitos dela o fazem lembrar de um garoto que ele conhecera no ginásio: Pribislav Hippe.

- “Dança Macabra”: Castorp resolve fazer uma visita aos moribundos do sanatório, como forma de lhes dar alguma dignidade antes da morte. Seu primo faz-lhe companhia, e o próprio Dr. Behrens dá-lhe apoio em sua empreitada.

“Parece-me que o mundo e a vida foram feitos de tal sorte que deveríamos sempre andar de preto, com uma golilha engomada em lugar do colarinho, e manter uns com os outros relações graves, reservadas e formais, recordando-nos da morte. Eu gostaria que fosse assim. Acho que isso corresponde à moral.” (p. 403)
“Realmente, os motivos de que nascera o seu desejo eram complexos. O protesto contra o egoísmo reinante era apenas um dentre eles. O que ainda contribuía para a sua decisão era, antes de tudo, a necessidade que experimentava o seu espírito de tomar a sério e de poder honrar o sofrimento e a morte; necessidade que ele esperava satisfazer e fortificar pelo contato com os enfermos graves e os agonizantes; tal contato compensaria os múltiplos insultos a que a dita necessidade se via exposta a cada passo, cada dia e cada momento, e que confirmavam, de um modo chocante, certas opiniões de Settembrini. Exemplos que corroborassem isso existiam em abundância.” (p. 405)

- O diálogo ‘en français’ de Castorp e Chauchat: uma das partes mais excêntricas do romance. Finalmente o protagonista tem um colóquio com a russa pela qual é apaixonado, e há situações que lembram inclusive a conversa dele com Hippe, dez anos antes (o lápis emprestado, p.ex.). No final do capítulo “Noite de Walpurgis”, finalmente o protagonista declara-se para Clawdia – em francês, é claro.

3. Revisão Bibliográfica

- Franscisco Escorsin, “Impressões de Leitura – A Montanha Mágica”:

O pessimismo de Mann quanto a seu contexto histórico: “É certo que para ele a “culpa” pela guerra não se encontrava em determinada corrente ideológica, ou numa moda científica ou mesmo apenas nos valores que aquela sociedade humana naquele tempo histórico realizava. Para Thomas Mann, o “buraco” era mais embaixo e tudo isto e mais um pouco formou o caldeirão de causas que desembocou nas grandes guerras do século XX. Thomas Mann não inocenta ninguém. Nem procura dar um sentido para o homem daquela época. Porque ele percebe que é exatamente o sentido da própria humanidade que se perdeu ali, antes de qualquer coisa. Thomas Mann vem a narrar as consequências da perda deste sentido básico e preliminar da própria possibilidade da vida em comum. Ele traz a história do declínio de uma sociedade, cujos sintomas não estão em outra parte senão no próprio homem que compõe aquela sociedade."

A mediocridade do protagonista: “Avisa Mann que Castorp nada tem de especial. Não é melhor nem pior do que ninguém, nem mesmo é herói. É até simpático e muito comum. Castorp, na verdade, é um medíocre, porque medíocre é o mundo em que vive e outra coisa ele não poderia deixar de ser. Sua mediocridade não diz respeito a sua inteligência e personalidade, que era singela, mas sim que ela significava a mediocridade do próprio meio de que ele vinha. Era um exemplar apenas. Quando da narrativa de infância e adolescência de Hans Castorp, Thomas Mann bem demonstra que Castorp é filho da sua época. Bem inserido, atendia às exigências escolares e os deveres sociais. Tinha tudo para dar “certo”."

O sermão do italiano: “Ouvindo isto, um dos personagens principais, o escritor Settembrini, também paciente ali, o pede para que se vá embora deste mundo em que se vive na “horizontal”. Castorp desdenha do perigo, não dá ouvidos à sua consciência. Começa então a romantizar a doença e seu estado “humano”. Neste ponto, novamente Settembrini intervém e adverte. Logo mais me aterei a este personagem fascinante e dos mais paradoxais da história, mas por ora, com sua ajuda, estabeleçamos muito claramente como o medíocre Hans Castorp se apresenta e se oferece à degradação. Settembrini percebe esta “tendência a se arraigar no caráter” do jovem e toma para si a tarefa pedagógica de corrigí-lo.”

4. A canção homônima da Legião Urbana

- O disco V, lançado em dezembro de 1991, reflete um dos períodos mais sombrios da vida de Renato Russo (1960-1996). O mal-estar era generalizado: um relacionamento amoroso instável; a descoberta de que era portador do vírus HIV; o abuso de drogas; e, como se não bastasse, a Era Collor, com promessas não cumpridas e o caos econômico trazido pelo confisco das poupanças. Foi nesse contexto dramático que Renato escreveu algumas de suas mais belas (e tristes) canções, que formaram o quinto álbum da Legião Urbana - para muitos, o melhor da banda. Uma delas é “A Montanha Mágica”, uma faixa lisérgica e soturna em seus mais de 7 minutos. As relações com a temática do livro cujo título compartilha não são explícitas, e aparecem sob a forma de uma alegoria: o vocalista da Legião compara a sua enfermidade com a de Hans Castorp. Enquanto este era tuberculoso, aquele sofria de AIDS e tinha problemas relacionados ao uso abusivo de heroína e álcool. Os estados mentais de Renato Russo são revelados em versos como os seguintes:

"Sou meu próprio líder: ando em círculos
Me equilibro entre dias e noites
Minha vida toda espera algo de mim
Meio-sorriso, meia-lua, toda tarde

Minha papoula da Índia
Minha flor da Tailândia
És o que tenho de suave
E me fazes tão mal

Ficou logo o que tinha ido embora
Estou só um pouco cansado
Não sei se isto termina logo
Meu joelho dói
E não há nada a fazer agora

Para que servem os anjos?
A felicidade mora aqui comigo
Até segunda ordem
Um outro agora vive minha vida
Sei o que ele sonha, pensa e sente

Não é por incidência a minha indiferença
Sou uma cópia do que faço
O que temos é o que nos resta
E estamos querendo demais

Existe um descontrole, que corrompe e cresce
Pode até ser, mais estou pronto prá mais uma
O que é que desvirtua e ensina?
O que fizemos de nossas próprias vidas

O mecanismo da amizade,
A matemática dos amantes
Agora só artesanato:
O resto são escombros

Mas, é claro que não vamos lhe fazer mal
Nem é por isso que estamos aqui
Cada criança com seu próprio canivete
Cada líder com seu próprio .38

Chega, vou mudar a minha vida
Deixa o copo encher até a borda
Que eu quero um dia de sol
Num copo d'água"

agosto 10, 2010

Próxima reunião do GEH: A Montanha Mágica

“O homem não vive somente a sua vida individual; consciente ou inconscientemente participa também da vida de sua época e dos seus contemporâneos.”
(A Montanha Mágica, “Da casa dos Tienappel e do estado moral de Hans Castorp”, p. 47)


Grupo de Estudos Humanistas

“A MONTANHA MÁGICA” (THOMAS MANN)

Considerado por muitos como o maior romance alemão do século XX, rendeu a Mann o Prêmio Nobel de Literatura (1929). Seu impacto cultural foi sentido até no Brasil: Renato Russo, da Legião Urbana, compôs uma soturna canção intitulada “A Montanha Mágica”.

Sinopse: A obra reflete sobre o amadurecimento biológico e espiritual de Hans Castorp, segundo o narrador um “filho enfermiço da vida”. Ele foi visitar o primo, que estava em um sanatório, e o que deveria ser uma estadia de três semanas tornou-se uma residência. Além de descobrir que tinha tuberculose, ele encontrou em Davos-Platz uma atmosfera na qual ele pode empreender uma busca pelo sentido da vida.

Sugestão de leitura: os subcapítulos “Da casa dos Tienappel e do estado moral de Hans Castorp”, “Satã”, “Digressão sobre o sentido do tempo”, “Politicamente suspeita!”, “Liberdade”, “Enciclopédia” e “Dança Macabra”. O texto está na pasta 11 da XEROX do CADIR.

6ª feira, 13 de Agosto, 15h, na Sala de Reuniões do IPOL (FA).

Próximos eventos do GEH em seu Ciclo sobre Cultura Alemã:
16/8: colóquio sobre Kant (Café Senhoritas, CLN 408, 20h);
23/8: colóquio sobre Schopenhauer (Café Senhoritas, CLN 408, 20h).


agosto 08, 2010

A Teoria da Justiça Revisitada - Libertarianismo em Robert Nozick

Debate realizado em 3 de Agosto.

Robert Nozick (1938-2002)

1. Propósitos

1.1. Motivação da obra
- Os indivíduos têm direitos, os quais são fortes e abrangentes a ponto de limitar (ou até proibir) o escopo da ação do estado e seus mandatários. Sendo assim, a questão fundamental da filosofia política é: há necessidade (ou justificação) para a existência de um estado?
- A teoria anarquista elimina tal objeto de estudo, pela sua própria opção teórica (abolir o estado). Aliás, para analisar o estado, que tal começarmos por uma alternativa teórica que o nega? Ou seja, tentar explicar o domínio político em termos apolíticos, iniciando pelo estado de natureza. Isso caracterizaria uma explicação potencial fundamental.

1.2. Apêndice I: Os tipos de Libertarianismo
- Conseqüencialista (benefícios do livre mercado). Deve-se defender a liberdade individual e a propriedade privada pelos resultados que ambos trazem. Produzem mais riqueza global, progresso. Defendido pela Escola Austríaca (Mises, Hayek) e pela Escola de Chicago (Friedman).
- Principialista (direitos naturais). A liberdade e a propriedade justificam-se em razões éticas. São princípios que geram sociedades mais justas, independentemente de gerarem prosperidade ou não. Preferido pelos anarco-capitalistas (Rothbard) e pela “teoria do intitulamento” (Nozick).

1.3. Apêndice II: A máquina de experiências
- Crítica ao utilitarismo extremo. Como seria usar uma máquina que simula qualquer experiência que quisermos? Porém, a vida é mais do que ter experiências. Queremos ser de determinada maneira e fazer determinadas coisas. Ligar-se à máquina é um tipo de suicídio. Uma realidade artificial não vale a pena, pois nos tira o contato efetivo com qualquer realidade mais profunda.

2. O caminho para o estado-mínimo

2.1. As associações de proteção privadas
- No estado de natureza, os indivíduos gozam de uma situação de perfeita liberdade (Locke). Porém, a lei natural tácita pode encontrar problemas de aplicação. Pode ocorrer uma punição desproporcional ou uma compensação em excesso, tendo em vista que algumas pessoas podem superestimar a quantidade de danos sofridos ou simplesmente ser movidas pelas paixões. Outra dificuldade surge quando há indivíduos incapazes de punir ou fazer valer os seus direitos.
- Em meio a tal cenário, podem surgir associações de proteção mútua, as quais responderão a todo pedido de qualquer membro para defesa ou garantia de direitos. Para facilitar o desempenho desta empresa, poderia haver especialização: contratar-se-iam pessoas para desempenhar funções de proteção (vide companhias de seguro privadas em Robert P. Murphy, “Teoria do Caos”).
- E se houver conflitos entre clientes de diferentes agências? Com o tempo, uma agência pode ser aquela escolhida pela grande maioria dos clientes e também a mais poderosa, tornando-se assim a agência dominante. Em situações nas quais não há essa prevalência, pode ocorrer um acordo quanto à formação de um sistema judicial federal unificado, para arbitrar. De qualquer maneira, este é um processo de mão invisível: não houve desígnio intencional, pois emergiu-se naturalmente da anarquia para a criação de um estado, sem violar os direitos de ninguém.

2.2. Monopólio e estado ultra-mínimo
- Porém, a agência dominante ainda não é um estado, pois ela não reivindica monopólio sobre o uso da força; não tem legitimidade moral para tal. Somente na medida em que ela passa a proteger todos em seu domínio (mesmo aqueles que não são seus clientes, “isolados”) e ser a única que pode fazer valer os direitos (proibindo a aplicação privada perigosa da justiça) é que podemos falar em estado ultra-mínimo.

2.3. Redistribuição e estado-mínimo
- Quando a agência começa a proteger mesmo quem pagou menos ou nada pelo serviço, há um elemento redistributivo, pois ela está compensando-os pela proibição de fazer “justiça pelas próprias mãos”, como se oferecesse descontos como contrapartida a uma restrição. Isso não prejudica os seus clientes (que pagam mais), pois para eles é melhor que alguns recebam descontos para não adotarem procedimentos pouco fidedignos de auto-tutela do que permitir que estes continuem, o que geraria incerteza e insegurança.
- A partir de ações egoístas e racionais das pessoas num estado de natureza lockiano, surge um monopólio “de facto” que é o único juiz efetivo sobre a violência em um território geográfico; ou, pelo menos, a afiliação federativa de várias agências. Sendo assim, uma associação de proteção dominante é um estado. A passagem dele de ultra-mínimo para mínimo passa pela obrigação moral de compensar pelas desvantagens que impõe àqueles a quem proíbe atividades auto-tutelares contra os seus clientes.

3. A questão da justiça

3.1. A teoria da titularidade
- Aquisição: como se adquire inicialmente as propriedades (haveres), em um mundo em que nada era de ninguém. Será que “misturar seu trabalho” (dar valor) é suficiente?
- Transferência: consiste no livre mercado. São as trocas voluntárias, desde compras e vendas até presentes e doações. É justa se não envolve coerção e se as propriedades foram adquiridas de forma também justa.
- Retificação: Ninguém tem direito a uma propriedade exceto se aplicar as duas etapas anteriores de forma justa. Se o conjunto de propriedades é corretamente gerado, não há argumento que justifique um Estado mais extenso baseado na justiça distributiva. Do contrário, deve-se analisar como se deu o processo historicamente para verificar o que deve ser corrigido, reparado (algo próximo do princípio da diferença).

3.2. O argumento intuitivo (Wilt Chamberlain)
- Imagine D1, uma distribuição do jeito que você quiser; pode, inclusive, ser a mais igualitária possível. Agora, considere que um jogador de basquete muito bom resolve ganhar 25 centavos por jogo, depositados por cada pessoa como um preço à parte do ingresso. Se muitas pessoas ficam encantadas com o jeito de ele jogar, e 1 milhão delas voluntariamente pagam o preço estipulado, ao final da temporada ele ganhará US$ 250.000. Essa transferência foi justa? Deve ser cobrado algum imposto sobre o rendimento obtido por ele? Se D1 era uma distribuição justa, e pessoas passaram para D2 de forma voluntária, transferindo parte das parcelas que haviam recebido em D1, então D2 também será justa.
- Nenhum princípio finalista ou distributivo padronizado de justiça pode ser continuamente implementado sem interferência contínua na vida das pessoas. A fim de manter o padrão (por exemplo, o da justiça como eqüidade), teríamos que interferir continuamente para impedir que as pessoas transferissem recursos como quisessem, ou os recebessem de alguém que por alguma razão decidiu transferi-los.

3.3. O argumento filosófico (posse de si mesmo)
- As restrições morais secundárias (direitos individuais são invioláveis) se originam no princípio kantiano de que os indivíduos são fins e não meros meios. Não se pode violar pessoas em função do maior bem social porque isso seria basicamente instrumentalizá-las. As tentativas de Rawls de restringir os dotes e talentos naturais são insustentáveis, pois, se as pessoas têm direito a alguma coisa, elas têm direito a tudo que decorre dela, inclusive as suas propriedades.
- Nozick cria uma condição mais fraca que a de Locke quanto à aquisição de propriedades. Enquanto para o filósofo do século XVII um indivíduo deveria deixar “tanto e em tão boa qualidade” para os demais, o pensador americano defende que basta não deixar aqueles sem propriedade em situação não que não seja pior à da distribuição. “De cada um, segundo escolher, a cada um, segundo for escolhido”. Critérios padronizados só se preocupam com o estado final, ignorando qualquer direito que uma pessoa possa ter de dar algo a alguém. A tributação de renda está na mesma situação do trabalho forçado, pois obriga alguém a trabalhar (coerção) durante certo período de tempo, em benefício de algo que o indivíduo pode não desejar (ex. da hora extra e do lazer).

3.4. Críticas
- Amartya Sen: liberdades formais são insuficientes, ainda mais com a prioridade inflexível dada por Nozick. O libertarianismo negligencia liberdades substantivas básicas. Sérios problemas sociais (ex.: privações trazidas por fome, pobreza, ignorância etc.) podem ocorrer sem que nenhum direito libertário ou “intitulamento” seja desrespeitado.
- Will Kymlicka: o exemplo de Wilt Chamberlain é contra-intuitivo, pois não necessariamente alguém formará seu D1 a partir de uma dotação de direitos absolutos. Quanto à questão da posse de si mesmo, o esquema distributivo rawlsiano não chega a negá-la. Nozick não conseguiu refutar a tese de que as pessoas não têm direito legítimo às recompensas do exercício de seus talentos (que, portanto, são imerecidos). A idéia igualitária kantiana (“Todo homem é um fim em si mesmo”) não se compatibiliza com a ineqüidade do argumento da posse de si mesmo.
- Murray Rothbard: nunca um estado foi formado segundo o procedimento descrito por Robert Nozick; este processo sempre envolveu violência, conquista e exploração. E mesmo se tivessem sido, continuariam a ser injustificáveis, pois entram em confronto com os direitos individuais; um “passaporte para o despotismo ilimitado”. Além disso, o estado-mínimo nozickiano, seguido à risca, se tornaria um Estado máximo. Seu processo de mão invisível poderia muito bem levar de volta ao anarquismo.

4. O estado-mínimo como utopia

4.1. Enquadramento
- Tomando como objeto de estudo o melhor de todos os mundos possíveis, chega-se à constatação que, para cada pessoa, haverá um melhor mundo, sendo que este ainda pode mudar com o tempo. E se surgisse uma associação estável? A partir de um modelo econômico baseado em mercados competitivos, pode surgir um constructo no qual as utopias individuais podem coexistir. Porém, no mundo atual (real) há uma série de problemas, como custos de informação, questões de defesa externa e impedimento de uma pessoa sair de uma comunidade. Que fazer?
- Os enquadramentos (balizamentos) podem ser uma boa solução, pois permitem a cada indivíduo viver na comunidade real que se aproxima mais de realizar o que é mais importante para ele. Considerando que as pessoas são diferentes, assim como seus modos de vida, não há um tipo de comunidade que objetivamente seja melhor para todos. Portanto, a utopia consiste de utopias, de muitas e diferentes comunidades; enfim, um lugar onde pessoas têm liberdade de se associarem voluntariamente para seguir e tentar realizar sua própria visão da boa vida, mas onde ninguém pode impor sua própria visão aos demais.

4.2. Uma utopia de comunidades
- Com um leque diverso de comunidades, mais pessoas poderão aproximar-se do modo como desejam viver. Há três tipos de utopismo: imperialista (quer ajustar todos a um único padrão, mesmo que à força), missionário (pretende persuadir a todos a viver em um tipo particular de comunidade, mas não os forçarão) e existencial (esperança quanto a um modelo particular, não necessariamente abrangendo todas as pessoas). O terceiro tipo é que mais apóia esta estrutura, mas os missionários também o podem fazê-lo.
- Além disso, há uma diferença entre comunidade e nação. Enquanto que pessoas podem aceitar restrições por contrato, o governo não pode fazer intervenções, restrições e limitações, a não ser aquelas relativas à proteção de direitos individuais; por exemplo, garantir a alguém a liberdade de sair de uma comunidade. Portanto, a sua estrutura seria de laissez-faire, mas as comunidades, não necessariamente (ex.: socialismo). O estado-mínimo é o único moralmente legítimo. pois trata-nos como indivíduos invioláveis, com direitos pressupostos pela dignidade. Ao lidar conosco com respeito, ele nos permite, individualmente ou em conjunto, determinar nosso tipo de vida, fins e concepções de nós mesmos.