8ª reunião do Grupo de Estudos Humanistas, realizada em 27 de Agosto.
- Os dois pedagogos: Settembrini x Naphta:
“Quem era, afinal de contas, o livre-pensador e quem o homem pio? Onde se achava a verdadeira posição, o genuíno estado do homem? Devia ele desfazer-se, de modo tão libertino quanto ascético, no seio da coletividade absorvente e niveladora de tudo, ou cumpria-lhe tomar o partido do “indivíduo crítico”, em cujo interior se debatia o conflito entre a estroinice e a austeridade virtuosa do burguês?” (p. 637)
- Lodovico Settembrini: iluminista, liberal, ateu, beletrista, maçom, boa índole.
Alerta sobre Naphta:
“Senhores – prosseguiu o Sr. Settembrini, aproximando-se muito dos dois jovens e estendendo-lhes o polegar e o dedo médio da mão esquerda à maneira de uma forquilha, como para apanhar-lhes a atenção, enquanto erguia o indicador da direita em sinal de admoestação... –, gravem na sua memória que o espírito é soberano, que sua vontade é livre, que determina o mundo moral. Porém, se dualisticamente isola a morte, esta se converte, real e virtualmente, graças à vontade do espírito, numa potência própria, oposta à vida, num princípio antagônico, na grande sedução; e seu império é o da voluptuosidade. Os senhores perguntam: “Por que da voluptuosidade?” E eu respondo: porque a morte dissolve e redime, porque traz a redenção, mas não a redenção do mal, e sim a redenção pelo mal. Dissolve a ética e a moralidade, redime da disciplina e da moderação, liberta para a volúpia. (...) E o mais nobre dever do educador é pôr as almas dos jovens ao abrigo das suas emanações mefíticas.” (p. 561)
Defesa apaixonada do racionalismo:
"– Protesto! – gritou Settembrini, enquanto o seu braço teso estendia ao anfitrião a xícara de chá. – Protesto contra a insinuação de que o Estado moderno signifique a servidão diabólica do indivíduo! Protesto pela terceira vez contra aquela alternativa vexatória entre o prussianismo e a reação gótica diante da qual o senhor nos quer colocar! A democracia não tem outro sentido a não ser o de um corretivo individualista de toda forma de absolutismo do Estado. A verdade e a justiça são as jóias da coroa da ética individual, e no caso de um conflito com os interesses estatais talvez até assumam a aparência de potências inimigas do Estado, posto que, em realidade, visem ao seu bem superior, ao bem supra terreno. O Renascimento como origem da idolatria do Estado! Que lógica mais bastarda! As conquistas – emprego essa palavra no sentido literal! –, as conquistas do Renascimento e do Século das Luzes, meu caro senhor, chamam-se personalidade, direitos do homem, liberdade!" (p. 544)
Aforismo quando questionado sobre as motivações políticas da Maçonaria:
“Tudo é política” (p. 703).
Sobre a literatura:
“O efeito purificante e santificador da literatura, a destruição das paixões pelo conhecimento e pela palavra, a literatura como caminho à compreensão, à indulgência e ao amor, o espírito literário como o fenômeno mais nobre do espírito humano em geral, o poder salvador da língua, o literato como homem perfeito, como santo – era nessa tonalidade exaltada que decorria o panegírico apologético do Sr. Settembrini.” (p. 716)
- Leo Naphta: judeu, jesuíta, conservador, socialista, niilista, malicioso.
O relativismo epistêmico:
“Verdadeiro é o que convém ao homem. Nele se acha resumida toda a natureza; em toda a natureza, apenas ele foi criado, e toda a natureza foi feita só para ele. Ele representa a medida das coisas, e sua salvação é o critério da verdade. Um conhecimento teórico que carecesse da relação prática com a idéia da salvação do homem seria de tal maneira desprovido de interesse que deveríamos negar-lhe todo valor como verdade e não poderíamos admiti-lo.” (p. 543)
A relação entre cristianismo e socialismo:
“Esses espíritos realmente humanos julgavam asquerosa a idéia de um aumento automático do dinheiro. (...) Não eram propensos a apreciar muito o próprio trabalho, pois ele é apenas um assunto ético e não religioso, e se realiza a serviço da vida e não de Deus. (...) Queriam eles que a produção se acomodasse às necessidades e abominavam a produção em massa. Bem, depois de séculos de soterramento ressurgem todos esses princípios e padrões econômicos no movimento moderno do comunismo. A semelhança é completa, até no significado da reivindicação da soberania, que pleiteia, contra a camada internacional de comerciantes e especuladores, o trabalho internacional, o proletariado do mundo, que hoje em dia opõe a humanidade e os critérios da Cidade de Deus à depravação burguês-capitalista. A ditadura do proletariado, essa exigência de salvação política e econômica dos nossos tempos, não tem o sentido de um domínio pelo domínio e por toda a eternidade, mas sim o de uma ab-rogação temporária do conflito entre o espírito e o poder sob o signo da cruz, o sentido de se triunfar sobre o mundo dominando-o, o sentido da transição e da transcendência, o sentido do Reino. O proletariado retomou a obra de Gregório; sente arder no seu íntimo o zelo piedoso do grande papa e, como ele, tampouco poderá impedir as suas mãos do derramamento de sangue. Sua incumbência é espalhar o terror para a salvação do mundo e para a conquista do objetivo da redenção, que é a relação filial com Deus, sem a interferência do Estado e das classes.” (p. 550)
O revolucionário conservador:
“Hans Castorp havia esperado que Naphta advogasse a conservação do suplício. Opinou que este talvez fosse tão revolucionário quanto o Sr. Settembrini, mas o era no sentido conservador, como revolucionário do conservantismo.” (p. 627)
- Os conceitos de liberdade
Settembrini:
"A liberdade é a lei do amor humano, e não o niilismo e a maldade." (p. 514)
“Ora, rapaz, você torna-se cada vez mais inteligente aqui em cima, com a sua biologia e botânica e com os seus pontos de inflexão inevitáveis. E desde o primeiro dia se preocupou com o “tempo”. Mas me parece que estamos aqui para ficar mais sadios e não mais sábios; mais sadios e completamente sãos, até que enfim nos devolvam a liberdade e nos enviem à planície como curados.” (p. 526)
“Settembrini perguntou se Naphta, por sua parte, partilhava dessa crença quanto às estrelas, ao que o jesuíta respondeu que se reservava o direito da humildade e da liberdade do ceticismo. Essas palavras davam mais um ensejo para formar uma idéia daquilo que ele entendia por “liberdade”, e deixavam entrever aonde conduziria esse conceito.” (p. 954)
Naphta:
“Se não me engano, o senhor se arvora em revolucionário. Mas, se acredita que o resultado das revoluções vindouras será a liberdade, iludiu-se redondamente. O princípio da liberdade cumpriu o seu destino e chegou a ser antiquado nos últimos quinhentos anos. (...) Todas as organizações verdadeiramente educadoras souberam sempre o que em realidade deve ser o último objetivo da pedagogia: a autoridade absoluta, a obrigação de ferro, a disciplina, o sacrifício, a renúncia a si próprio, o domínio da personalidade. (...) O que ela aprecia mais é a obediência." (p. 545-546)
“Naphta, por sua vez, sabia muito bem que o problema interno do homem tinha a sua raiz no antagonismo entre o real e o transcendental; por isso representava o verdadeiro individualismo, o individualismo místico, e era em realidade o campeão da liberdade e do “sujeito”.” (p. 636)
“Em última análise, a liberdade era um conceito do Romantismo antes do que da Época das Luzes, pois com aquele tinha em comum o entrelaçamento inextricável dos impulsos de expansão coletiva e do ensimesmamento apaixonadamente individualístico. A sede individualística de liberdade originara o culto histórico-romântico do nacional, culto esse que era belicoso e que o liberalismo humanitário tachava de sinistro...” (p. 957)
Castorp:
“Terminou assim a tentativa da planície de se reapossar do fugitivo Hans Castorp. O jovem não se iludiu quanto à importância decisiva que o malogro completo, por ele previsto, tinha no que se referia às suas relações para com a gente lá de baixo. Significava isso, da parte da planície, a renúncia definitiva, que ela aceitava dando de ombros, e para ele, a liberdade completa, em face da qual o seu coração aos poucos deixava de estremecer.” (p. 600)
“Não, porque estás enferma. A doença te confere a liberdade. Torna-te... Espera, agora me ocorre uma palavra que nunca ainda empreguei: torna-te genial!” [Diálogo com Clawdia Chauchat] (p. 817)
“Como é bela a vida errante;
O universo por país; tua vontade por lei,
E sobretudo aquela coisa inebriante
Que é a liberdade, a liberdade!” (p. 893)
“Deixavam-no em paz, pouco mais ou menos como se faz com um aluno que goza do estado singularmente feliz de já não ser examinado nem ter necessidade de trabalhar, porque a “bomba” é um fato consumado e ninguém mais se preocupa com ele; um tipo orgiástico de liberdade – digamos isso de passagem, perguntando-nos se a liberdade pode jamais ter outra natureza que não precisamente esta.” (p. 973)
- Zeitgeist – tédio e irritação. A questão do demônio (opositor, discórdia, dúvida).
“O jovem estudara aquele demônio com a curiosidade irresponsável de um viajeiro em busca de formação e até descobrira na sua própria alma perigosas aptidões para desempenhar um papel importante no culto abominável que todo mundo lhe devotava.” (p. 939)
- As regências de Castorp – o episódio da “Neve”. Devaneios. Insight sobre o amor.
“Em consideração à bondade e ao amor, o homem não deve conceder à morte nenhum poder sobre os seus pensamentos.” (p. 678)
- Peeperkorn e o elemento dionisíaco: aparição, continuação e desfecho. O “pedagogo” vencedor. Não tão distinto nas questões abstratas, mas imbatível em tudo aquilo que lida com o corpo e as emoções.
Métafora da cachoeira: descida para o mundo terreno, ao contrário da montanha.
“Quem era, afinal de contas, o livre-pensador e quem o homem pio? Onde se achava a verdadeira posição, o genuíno estado do homem? Devia ele desfazer-se, de modo tão libertino quanto ascético, no seio da coletividade absorvente e niveladora de tudo, ou cumpria-lhe tomar o partido do “indivíduo crítico”, em cujo interior se debatia o conflito entre a estroinice e a austeridade virtuosa do burguês?” (p. 637)
- Lodovico Settembrini: iluminista, liberal, ateu, beletrista, maçom, boa índole.
Alerta sobre Naphta:
“Senhores – prosseguiu o Sr. Settembrini, aproximando-se muito dos dois jovens e estendendo-lhes o polegar e o dedo médio da mão esquerda à maneira de uma forquilha, como para apanhar-lhes a atenção, enquanto erguia o indicador da direita em sinal de admoestação... –, gravem na sua memória que o espírito é soberano, que sua vontade é livre, que determina o mundo moral. Porém, se dualisticamente isola a morte, esta se converte, real e virtualmente, graças à vontade do espírito, numa potência própria, oposta à vida, num princípio antagônico, na grande sedução; e seu império é o da voluptuosidade. Os senhores perguntam: “Por que da voluptuosidade?” E eu respondo: porque a morte dissolve e redime, porque traz a redenção, mas não a redenção do mal, e sim a redenção pelo mal. Dissolve a ética e a moralidade, redime da disciplina e da moderação, liberta para a volúpia. (...) E o mais nobre dever do educador é pôr as almas dos jovens ao abrigo das suas emanações mefíticas.” (p. 561)
Defesa apaixonada do racionalismo:
"– Protesto! – gritou Settembrini, enquanto o seu braço teso estendia ao anfitrião a xícara de chá. – Protesto contra a insinuação de que o Estado moderno signifique a servidão diabólica do indivíduo! Protesto pela terceira vez contra aquela alternativa vexatória entre o prussianismo e a reação gótica diante da qual o senhor nos quer colocar! A democracia não tem outro sentido a não ser o de um corretivo individualista de toda forma de absolutismo do Estado. A verdade e a justiça são as jóias da coroa da ética individual, e no caso de um conflito com os interesses estatais talvez até assumam a aparência de potências inimigas do Estado, posto que, em realidade, visem ao seu bem superior, ao bem supra terreno. O Renascimento como origem da idolatria do Estado! Que lógica mais bastarda! As conquistas – emprego essa palavra no sentido literal! –, as conquistas do Renascimento e do Século das Luzes, meu caro senhor, chamam-se personalidade, direitos do homem, liberdade!" (p. 544)
Aforismo quando questionado sobre as motivações políticas da Maçonaria:
“Tudo é política” (p. 703).
Sobre a literatura:
“O efeito purificante e santificador da literatura, a destruição das paixões pelo conhecimento e pela palavra, a literatura como caminho à compreensão, à indulgência e ao amor, o espírito literário como o fenômeno mais nobre do espírito humano em geral, o poder salvador da língua, o literato como homem perfeito, como santo – era nessa tonalidade exaltada que decorria o panegírico apologético do Sr. Settembrini.” (p. 716)
- Leo Naphta: judeu, jesuíta, conservador, socialista, niilista, malicioso.
O relativismo epistêmico:
“Verdadeiro é o que convém ao homem. Nele se acha resumida toda a natureza; em toda a natureza, apenas ele foi criado, e toda a natureza foi feita só para ele. Ele representa a medida das coisas, e sua salvação é o critério da verdade. Um conhecimento teórico que carecesse da relação prática com a idéia da salvação do homem seria de tal maneira desprovido de interesse que deveríamos negar-lhe todo valor como verdade e não poderíamos admiti-lo.” (p. 543)
A relação entre cristianismo e socialismo:
“Esses espíritos realmente humanos julgavam asquerosa a idéia de um aumento automático do dinheiro. (...) Não eram propensos a apreciar muito o próprio trabalho, pois ele é apenas um assunto ético e não religioso, e se realiza a serviço da vida e não de Deus. (...) Queriam eles que a produção se acomodasse às necessidades e abominavam a produção em massa. Bem, depois de séculos de soterramento ressurgem todos esses princípios e padrões econômicos no movimento moderno do comunismo. A semelhança é completa, até no significado da reivindicação da soberania, que pleiteia, contra a camada internacional de comerciantes e especuladores, o trabalho internacional, o proletariado do mundo, que hoje em dia opõe a humanidade e os critérios da Cidade de Deus à depravação burguês-capitalista. A ditadura do proletariado, essa exigência de salvação política e econômica dos nossos tempos, não tem o sentido de um domínio pelo domínio e por toda a eternidade, mas sim o de uma ab-rogação temporária do conflito entre o espírito e o poder sob o signo da cruz, o sentido de se triunfar sobre o mundo dominando-o, o sentido da transição e da transcendência, o sentido do Reino. O proletariado retomou a obra de Gregório; sente arder no seu íntimo o zelo piedoso do grande papa e, como ele, tampouco poderá impedir as suas mãos do derramamento de sangue. Sua incumbência é espalhar o terror para a salvação do mundo e para a conquista do objetivo da redenção, que é a relação filial com Deus, sem a interferência do Estado e das classes.” (p. 550)
O revolucionário conservador:
“Hans Castorp havia esperado que Naphta advogasse a conservação do suplício. Opinou que este talvez fosse tão revolucionário quanto o Sr. Settembrini, mas o era no sentido conservador, como revolucionário do conservantismo.” (p. 627)
- Os conceitos de liberdade
Settembrini:
"A liberdade é a lei do amor humano, e não o niilismo e a maldade." (p. 514)
“Ora, rapaz, você torna-se cada vez mais inteligente aqui em cima, com a sua biologia e botânica e com os seus pontos de inflexão inevitáveis. E desde o primeiro dia se preocupou com o “tempo”. Mas me parece que estamos aqui para ficar mais sadios e não mais sábios; mais sadios e completamente sãos, até que enfim nos devolvam a liberdade e nos enviem à planície como curados.” (p. 526)
“Settembrini perguntou se Naphta, por sua parte, partilhava dessa crença quanto às estrelas, ao que o jesuíta respondeu que se reservava o direito da humildade e da liberdade do ceticismo. Essas palavras davam mais um ensejo para formar uma idéia daquilo que ele entendia por “liberdade”, e deixavam entrever aonde conduziria esse conceito.” (p. 954)
Naphta:
“Se não me engano, o senhor se arvora em revolucionário. Mas, se acredita que o resultado das revoluções vindouras será a liberdade, iludiu-se redondamente. O princípio da liberdade cumpriu o seu destino e chegou a ser antiquado nos últimos quinhentos anos. (...) Todas as organizações verdadeiramente educadoras souberam sempre o que em realidade deve ser o último objetivo da pedagogia: a autoridade absoluta, a obrigação de ferro, a disciplina, o sacrifício, a renúncia a si próprio, o domínio da personalidade. (...) O que ela aprecia mais é a obediência." (p. 545-546)
“Naphta, por sua vez, sabia muito bem que o problema interno do homem tinha a sua raiz no antagonismo entre o real e o transcendental; por isso representava o verdadeiro individualismo, o individualismo místico, e era em realidade o campeão da liberdade e do “sujeito”.” (p. 636)
“Em última análise, a liberdade era um conceito do Romantismo antes do que da Época das Luzes, pois com aquele tinha em comum o entrelaçamento inextricável dos impulsos de expansão coletiva e do ensimesmamento apaixonadamente individualístico. A sede individualística de liberdade originara o culto histórico-romântico do nacional, culto esse que era belicoso e que o liberalismo humanitário tachava de sinistro...” (p. 957)
Castorp:
“Terminou assim a tentativa da planície de se reapossar do fugitivo Hans Castorp. O jovem não se iludiu quanto à importância decisiva que o malogro completo, por ele previsto, tinha no que se referia às suas relações para com a gente lá de baixo. Significava isso, da parte da planície, a renúncia definitiva, que ela aceitava dando de ombros, e para ele, a liberdade completa, em face da qual o seu coração aos poucos deixava de estremecer.” (p. 600)
“Não, porque estás enferma. A doença te confere a liberdade. Torna-te... Espera, agora me ocorre uma palavra que nunca ainda empreguei: torna-te genial!” [Diálogo com Clawdia Chauchat] (p. 817)
“Como é bela a vida errante;
O universo por país; tua vontade por lei,
E sobretudo aquela coisa inebriante
Que é a liberdade, a liberdade!” (p. 893)
“Deixavam-no em paz, pouco mais ou menos como se faz com um aluno que goza do estado singularmente feliz de já não ser examinado nem ter necessidade de trabalhar, porque a “bomba” é um fato consumado e ninguém mais se preocupa com ele; um tipo orgiástico de liberdade – digamos isso de passagem, perguntando-nos se a liberdade pode jamais ter outra natureza que não precisamente esta.” (p. 973)
- Zeitgeist – tédio e irritação. A questão do demônio (opositor, discórdia, dúvida).
“O jovem estudara aquele demônio com a curiosidade irresponsável de um viajeiro em busca de formação e até descobrira na sua própria alma perigosas aptidões para desempenhar um papel importante no culto abominável que todo mundo lhe devotava.” (p. 939)
- As regências de Castorp – o episódio da “Neve”. Devaneios. Insight sobre o amor.
“Em consideração à bondade e ao amor, o homem não deve conceder à morte nenhum poder sobre os seus pensamentos.” (p. 678)
- Peeperkorn e o elemento dionisíaco: aparição, continuação e desfecho. O “pedagogo” vencedor. Não tão distinto nas questões abstratas, mas imbatível em tudo aquilo que lida com o corpo e as emoções.
Métafora da cachoeira: descida para o mundo terreno, ao contrário da montanha.
Apologia ao sensualismo:
"– Isso refresca – disse ele. – O senhor não bebe mais nada? Então permita que eu tome mais um... – Derramou um pouco de vinho ao encher o copo. O lençol de cima estava salpicado de manchas vermelho-escuras. – Eu repito – prosseguiu com o dedo indicador em riste, enquanto na outra mão tremia o copo cheio –, repito: daí resulta a nossa obrigação, o nosso dever religioso de sentir. Nosso sentimento – compreende? – é a força viril que desperta a vida. A vida está dormindo. Quer ser acordada para celebrar bodas orgiásticas com o sentimento divino. Pois o sentimento, jovem, é divino. O homem é divino, desde que sente. É o sentimento de Deus. Deus o criou para sentir por intermédio dele. O homem é apenas o órgão por meio do qual Deus realiza o seu enlace com a vida despertada e ébria. O homem que fracassasse quanto ao sentimento aviltaria a Deus, seria a causa da derrota da força viril de Deus, a causa de uma catástrofe cósmica, de um horror inimaginável... – Tornou a beber." (p. 828)
O eterno retorno, em dois diálogos análogos:
“– Um momento! Não achas infame falarmos sobre ele desta maneira?
– De modo algum, Clávdia. Não, longe disso! É apenas humano. Tu gostas dessa palavra, que arrastas com uma ênfase fanática. Sempre me interessa ouvi-la pronunciada pela tua boca. (...) quando ela expressa liberdade, genialidade, bondade, é uma grande coisa, e, segundo me parece, não faz mal que a empreguemos a favor da nossa conversa sobre Peeperkorn e sobre as preocupações e as dificuldades que ele te causa. Claro que elas são a conseqüência da sua mania de pundonor, do medo de que o sentimento possa fracassar, esse medo que o faz amar tanto as dádivas clássicas e os meios de se regalar. Podemos falar disso com toda a reverência, pois nele tudo tem grande envergadura, a envergadura grandiosa de um rei, e nós não aviltamos nem a ele nem a nós próprios fazendo reflexões humanas sobre esse assunto.” (p. 821)
“– Um momento! – disse Peeperkorn, continuando com os olhos desviados, mas detendo o seu interlocutor com um gesto da palma da mão. – O senhor não acha infame falarmos assim sobre ela?
– Não acho, Mynheer Peeperkorn. Não, senhor, nesse ponto me parece que o posso tranqüilizar completamente. Estamos falando de coisas humanas – humanas no sentido da genialidade e da liberdade. Desculpe essa expressão que talvez seja um pouco pomposa; mas uma emergência, há poucos dias, me fez lançar mão dela.” (p. 836-837)
- Clawdia Chauchat e a paixão:
“Paixão é viver por amor à vida.” (p. 815)
O beijo de Clawdia e Hans:
“Decerto há caritas até na paixão mais furiosa e na paixão mais reverente. Sentido ambíguo? Pois que seja ambíguo o sentido do amor! Nessa indistinção se manifestam a vida e a humanidade. Revelaríamos uma desoladora falta de “malícia” se nos inquietássemos diante dessa ambigüidade.” (p. 823)
- Experiência estética: abrir-se às possibilidades (placet experiri).
“Hans Castorp pressentia, pressentia com absoluta nitidez, que essas experiências, fosse qual fosse o rumo que tomassem, não poderiam levar a um fim não insípido, não incompreensível, não desprovido de dignidade humana. Assim ardia por fazê-la. Percebia que “ociosa ou pecaminosa”, essa alternativa já de per si bastante triste, não constituía em realidade nenhuma alternativa, mas era uma mesma coisa, e que a inutilidade espiritual não era senão a forma de expressar, fora da moral, o caráter proibido da experiência. O princípio do placet experiri, porém, que lhe inculcara certa pessoa que indubitavelmente desaprovaria com a maior veemência tentativas dessa espécie, continuava arraigado em Hans Castorp. Aos poucos coincidia a sua ética com a sua curiosidade, o que, na verdade, sempre fizera; com essa mesma curiosidade irrestrita, própria de um viajeiro ávido de formação, que, ao saborear o mistério da personalidade, talvez já se achasse próxima do domínio que agora se lhe deparava, e a qual revelava uma espécie de espírito militar, por não se esquivar da esfera vedada, desde que esta se oferecia a ela.” (p. 904-905)
- Estilo narrativo: conversas com leitor, como se estivesse selecionando fatos para esclarecer ou exemplificar digressões.
“O tempo – mas não aquele que marcam os relógios de estação, cujo ponteiro grande dá saltos bruscos, de cinco em cinco minutos, senão o indicado por relógios pequeninos, cujo movimento de agulhas permanece imperceptível, ou o tempo que a relva leva para crescer, sem que nenhum olho o perceba, apesar de ela fazê-lo constantemente, o que um belo dia se torna um fato inegável; o tempo, uma linha composta de um sem-número de pontos sem extensão – o malogrado Naphta perguntaria provavelmente como coisas desprovidas de extensão conseguem produzir uma linha –, o tempo, à sua maneira silenciosa, imperceptível, secreta e contudo ativa, havia continuado a trazer consigo transformações." (p. 974)
- O Sanatório: espaço político, esfera privada ou uma intimidade não totalmente desligada das pressões externas? Mesmo que com ressalvas, o conceito de “campo” (Bourdieu) se aplica?
“As brigas por motivos fúteis, as recriminações mútuas em presença das autoridades empenhadas em reconciliar os digladiantes, mas que sucumbiam elas próprias, com espantosa facilidade, vítimas da tendência geral para a gritaria grosseira – tudo isso se tornara freqüente no Sanatório Berghof. Os que saíam de casa mais ou menos tranqüilos eram incapazes de prever em que estado voltariam.” (p. 940)
- O Duelo: oposição entre os dois pedagogos chega ao extremo.
Morrer por um ideal:
“Quem não é capaz de arriscar a vida, o braço, o sangue na defesa de um ideal não é digno dele. Em que pese a nossa espiritualização, cumpre sermos homens.” (p. 964)
As conseqüências são trágicas:
“– O senhor atirou para o ar – disse Naphta, controlando-se, enquanto baixava a arma.
Settembrini replicou:
– Eu atiro como quero.
– Atire o senhor novamente.
– Nem penso nisso. Agora é a sua vez. – Com a cabeça erguida, o Sr. Settembrini olhava o céu. Colocara-se quase de lado, não expondo o peito em cheio ao outro, o que era comovente de se ver. Evidentemente alguém lhe aconselhara não oferecer ao adversário toda a largura do corpo, e ele se inspirava por essa advertência.
– Covarde! – bradou Naphta, e com esse grito humano admitiu que era preciso maior coragem para atirar do que para servir de alvo. Levantou então a pistola de um modo que nada mais tinha em comum com um combate, e descarregou-a na própria cabeça.
Que cena trágica, inesquecível! (...) Todos permaneceram imóveis durante um momento. Settembrini, depois de arrojar a pistola para longe de si, foi o primeiro a aproximar-se de Naphta.
– Infelice! – exclamou. – Che cosa fai, per l’amor di Dio?” (p. 972)
- O Trovão da I Guerra Mundial: Hans, justamente quando gozava de ampla liberdade, faz suas malas e vai para o confronto. O que podemos concluir a partir deste desfecho?
“Adeus – para a vida ou para a morte! Tens poucas probabilidades a teu favor. O macabro baile ao qual te arrastaram durará ainda vários anos malignos. (...) Certas aventuras da carne e do espírito, sublimando a tua singeleza, fizeram teu espírito sobreviver ao que tua carne dificilmente poderá resistir. Momentos houve em que, cheio de pressentimentos e absorto na tua obra de “rei”, viste brotar da morte e da luxúria carnal um sonho de amor. Será que também da festa universal da morte, da perniciosa febre que ao nosso redor inflama o céu desta noite chuvosa, surgirá um dia o amor?” (p. 986)
"– Isso refresca – disse ele. – O senhor não bebe mais nada? Então permita que eu tome mais um... – Derramou um pouco de vinho ao encher o copo. O lençol de cima estava salpicado de manchas vermelho-escuras. – Eu repito – prosseguiu com o dedo indicador em riste, enquanto na outra mão tremia o copo cheio –, repito: daí resulta a nossa obrigação, o nosso dever religioso de sentir. Nosso sentimento – compreende? – é a força viril que desperta a vida. A vida está dormindo. Quer ser acordada para celebrar bodas orgiásticas com o sentimento divino. Pois o sentimento, jovem, é divino. O homem é divino, desde que sente. É o sentimento de Deus. Deus o criou para sentir por intermédio dele. O homem é apenas o órgão por meio do qual Deus realiza o seu enlace com a vida despertada e ébria. O homem que fracassasse quanto ao sentimento aviltaria a Deus, seria a causa da derrota da força viril de Deus, a causa de uma catástrofe cósmica, de um horror inimaginável... – Tornou a beber." (p. 828)
O eterno retorno, em dois diálogos análogos:
“– Um momento! Não achas infame falarmos sobre ele desta maneira?
– De modo algum, Clávdia. Não, longe disso! É apenas humano. Tu gostas dessa palavra, que arrastas com uma ênfase fanática. Sempre me interessa ouvi-la pronunciada pela tua boca. (...) quando ela expressa liberdade, genialidade, bondade, é uma grande coisa, e, segundo me parece, não faz mal que a empreguemos a favor da nossa conversa sobre Peeperkorn e sobre as preocupações e as dificuldades que ele te causa. Claro que elas são a conseqüência da sua mania de pundonor, do medo de que o sentimento possa fracassar, esse medo que o faz amar tanto as dádivas clássicas e os meios de se regalar. Podemos falar disso com toda a reverência, pois nele tudo tem grande envergadura, a envergadura grandiosa de um rei, e nós não aviltamos nem a ele nem a nós próprios fazendo reflexões humanas sobre esse assunto.” (p. 821)
“– Um momento! – disse Peeperkorn, continuando com os olhos desviados, mas detendo o seu interlocutor com um gesto da palma da mão. – O senhor não acha infame falarmos assim sobre ela?
– Não acho, Mynheer Peeperkorn. Não, senhor, nesse ponto me parece que o posso tranqüilizar completamente. Estamos falando de coisas humanas – humanas no sentido da genialidade e da liberdade. Desculpe essa expressão que talvez seja um pouco pomposa; mas uma emergência, há poucos dias, me fez lançar mão dela.” (p. 836-837)
- Clawdia Chauchat e a paixão:
“Paixão é viver por amor à vida.” (p. 815)
O beijo de Clawdia e Hans:
“Decerto há caritas até na paixão mais furiosa e na paixão mais reverente. Sentido ambíguo? Pois que seja ambíguo o sentido do amor! Nessa indistinção se manifestam a vida e a humanidade. Revelaríamos uma desoladora falta de “malícia” se nos inquietássemos diante dessa ambigüidade.” (p. 823)
- Experiência estética: abrir-se às possibilidades (placet experiri).
“Hans Castorp pressentia, pressentia com absoluta nitidez, que essas experiências, fosse qual fosse o rumo que tomassem, não poderiam levar a um fim não insípido, não incompreensível, não desprovido de dignidade humana. Assim ardia por fazê-la. Percebia que “ociosa ou pecaminosa”, essa alternativa já de per si bastante triste, não constituía em realidade nenhuma alternativa, mas era uma mesma coisa, e que a inutilidade espiritual não era senão a forma de expressar, fora da moral, o caráter proibido da experiência. O princípio do placet experiri, porém, que lhe inculcara certa pessoa que indubitavelmente desaprovaria com a maior veemência tentativas dessa espécie, continuava arraigado em Hans Castorp. Aos poucos coincidia a sua ética com a sua curiosidade, o que, na verdade, sempre fizera; com essa mesma curiosidade irrestrita, própria de um viajeiro ávido de formação, que, ao saborear o mistério da personalidade, talvez já se achasse próxima do domínio que agora se lhe deparava, e a qual revelava uma espécie de espírito militar, por não se esquivar da esfera vedada, desde que esta se oferecia a ela.” (p. 904-905)
- Estilo narrativo: conversas com leitor, como se estivesse selecionando fatos para esclarecer ou exemplificar digressões.
“O tempo – mas não aquele que marcam os relógios de estação, cujo ponteiro grande dá saltos bruscos, de cinco em cinco minutos, senão o indicado por relógios pequeninos, cujo movimento de agulhas permanece imperceptível, ou o tempo que a relva leva para crescer, sem que nenhum olho o perceba, apesar de ela fazê-lo constantemente, o que um belo dia se torna um fato inegável; o tempo, uma linha composta de um sem-número de pontos sem extensão – o malogrado Naphta perguntaria provavelmente como coisas desprovidas de extensão conseguem produzir uma linha –, o tempo, à sua maneira silenciosa, imperceptível, secreta e contudo ativa, havia continuado a trazer consigo transformações." (p. 974)
- O Sanatório: espaço político, esfera privada ou uma intimidade não totalmente desligada das pressões externas? Mesmo que com ressalvas, o conceito de “campo” (Bourdieu) se aplica?
“As brigas por motivos fúteis, as recriminações mútuas em presença das autoridades empenhadas em reconciliar os digladiantes, mas que sucumbiam elas próprias, com espantosa facilidade, vítimas da tendência geral para a gritaria grosseira – tudo isso se tornara freqüente no Sanatório Berghof. Os que saíam de casa mais ou menos tranqüilos eram incapazes de prever em que estado voltariam.” (p. 940)
- O Duelo: oposição entre os dois pedagogos chega ao extremo.
Morrer por um ideal:
“Quem não é capaz de arriscar a vida, o braço, o sangue na defesa de um ideal não é digno dele. Em que pese a nossa espiritualização, cumpre sermos homens.” (p. 964)
As conseqüências são trágicas:
“– O senhor atirou para o ar – disse Naphta, controlando-se, enquanto baixava a arma.
Settembrini replicou:
– Eu atiro como quero.
– Atire o senhor novamente.
– Nem penso nisso. Agora é a sua vez. – Com a cabeça erguida, o Sr. Settembrini olhava o céu. Colocara-se quase de lado, não expondo o peito em cheio ao outro, o que era comovente de se ver. Evidentemente alguém lhe aconselhara não oferecer ao adversário toda a largura do corpo, e ele se inspirava por essa advertência.
– Covarde! – bradou Naphta, e com esse grito humano admitiu que era preciso maior coragem para atirar do que para servir de alvo. Levantou então a pistola de um modo que nada mais tinha em comum com um combate, e descarregou-a na própria cabeça.
Que cena trágica, inesquecível! (...) Todos permaneceram imóveis durante um momento. Settembrini, depois de arrojar a pistola para longe de si, foi o primeiro a aproximar-se de Naphta.
– Infelice! – exclamou. – Che cosa fai, per l’amor di Dio?” (p. 972)
- O Trovão da I Guerra Mundial: Hans, justamente quando gozava de ampla liberdade, faz suas malas e vai para o confronto. O que podemos concluir a partir deste desfecho?
“Adeus – para a vida ou para a morte! Tens poucas probabilidades a teu favor. O macabro baile ao qual te arrastaram durará ainda vários anos malignos. (...) Certas aventuras da carne e do espírito, sublimando a tua singeleza, fizeram teu espírito sobreviver ao que tua carne dificilmente poderá resistir. Momentos houve em que, cheio de pressentimentos e absorto na tua obra de “rei”, viste brotar da morte e da luxúria carnal um sonho de amor. Será que também da festa universal da morte, da perniciosa febre que ao nosso redor inflama o céu desta noite chuvosa, surgirá um dia o amor?” (p. 986)