1. Biografia
- Nasceu em Lowell (Massachusetts), no dia 12 de Março de 1922.
- Estudou na Universidade de Columbia, onde chegou a participar do time de futebol americano. Largou a universidade, e naqueles ano em NY conheceu alguns de seus maiores amigos: Allen Ginsberg, William Burroughs e Neal Cassady.
- Viagens: entre 1947 e 50, Kerouac empreendeu três viagens pelos Estados Unidos, cujas experiências serviriam de inspiração para a maioria de seus livros, os quais eram redigidos em rompantes de inspiração (“Os Subterrâneos”, por exemplo, foi escrito em 3 dias). Entusiasta do jazz; embora católico fervoroso, também se aproximou do budismo.
- Alcançou a fama em 57, com o sucesso de “On The Road”, livro que demorou seis anos para finalmente ser aceito por uma editora. Porém, a fama não lhe trouxe empolgação, e a má aceitação de seus romances posteriores, assim como os excessos da “geração hippie” muito lhe desagradaram. Apoiou a Guerra do Vietnã, votou em Nixon e foi morar com a mãe, na Flórida. Tornou-se alcoólatra.
- Principais obras: “On The Road” (1957), “Os Subterrâneos” (1958), “Os Vagabundos Iluminados” (1958), “Tristessa” (1960) e “Visões de Cody” (edição definitiva foi póstuma, 1971).
- Morreu em 21 de Outubro de 1969, na cidade de São Petersburgo (Flórida), vítima da cirrose.
2. “On The Road: Pé na Estrada”
- “Eles [Carlo e Dean] dançavam pelas ruas como piões frenéticos e eu me arrastava na mesma direção como tenho feito toda minha vida, sempre rastejando atrás de pessoas que me interessam, porque, para mim, pessoas mesmo são os loucos, os que estão loucos para viver, loucos para falar, loucos para serem salvos, que querem tudo ao mesmo tempo agora, aqueles que nunca bocejam e jamais falam chavões, mas queimam, queimam, queimam como fabulosos fogos de artifício explodindo como constelações em cujo centro fervilhante – pop! – pode-se ver um brilho azul e intenso até que todos ‘aaaaaaah!’” (p. 25)
- “Eu queria conhecer Dean melhor não apenas porque eu era um escritor e precisava de novas experiências, ou porque minha vida de vagabundagem pelo campus tinha completado seu ciclo e se tornaram absurda, mas porque, de alguma forma, apesar da nossa profunda diferença de caráter, ele me fazia lembrar um irmão há muito esquecido; (...) evocava recordações da minha infância naqueles depósitos de lixo sombrios e nas margens e reentrância do rio Passaic em Paterson. (...) Todos os meus amigos de então eram ‘intelectuais’ (...) ou então eram criminosos foragidos (...) Mas a inteligência de Dean era muito mais brilhante, formal e completa, sem nada daquela intelectualidade tediosa. (...) Além disso, todos os meus amigos nova-iorquinos estavam numa viagem baixo-astral, naquele pesadelo negativista de combater o sistema, citando suas tediosas razões literárias, psicanalíticas ou políticas, enquanto Dean simplesmente mergulhava nessa mesma sociedade, (...) pouco se lixando para tudo isso, ‘desde que eu descole uma gata mansa e linda com aquele lugar entre as pernas, garoto’ ou ‘contanto que eu arranje o que comer, meu filho, sacou?” (pp. 27-28)
- “Senti uma espécie de conspiração no ar, e esta conspiração confrontava dois grupos de gangue: Chad King, Tim Gray e Roland Major, junto com os Rawlins, basicamente dispostos a ignorar Dean Moriarty e Carlo Marx. Eu estava bem no meio deste curioso confronto. Era uma guerra com conotações sociais. Dean era filho de um bêbado...” (p. 61)
- “Não havia música, apenas dança. O lugar lotou inteiramente. As pessoas começaram a trazer garrafas. Caíamos fora para curtir os bares e voltávamos voando. A noite estava se tornando mais e mais desvairada. Deseja que Dean e Carlo estivessem ali – aí percebi que estariam deslocados e infelizes. Eles eram exatamaente como o homem melancólico da pedra que geme na masmorra, erguendo-se dos subterrâneos, os sórdidos hipsters da América, uma inovadora geração beat, com a qual eu estava me ligando lentamente.” (p. 78)
- “Tinha comprado minha passagem e estava esperando pelo ônibus para LA quando, subitamente, vi a mais deliciosa garota mexicana. (...) Uma angústia trespassou meu coração, como acontecia sempre que via uma garota pela qual estava apaixonado indo na direção oposta neste mundo grande demais. (...) Seu estúpido idiota, fale com ela! O que há de errado com você? Já não está cansado de si próprio? (...) E antes que pudesse perceber o que fazia, debrucei-me sobre o corredor na direção dela (...) e disse: ‘Moça, gostaria de usar minha capa de chuva como travesseiro’? Ela me olhou sorrindo e disse: ‘Não, muito obrigada’. (...) Falávamos e falávamos. Ela disse que estava adorando conversar comigo. (... O ônibus venceu, trôpego, o Grapevine Pass e então já estávamos descendo em direção à luminosa imensidão. Ficamos de mãos dadas, sem nenhuma autorização especial e (...) ficou pura, linda e silenciosamente decidido que assim que eu arranjasse um quarto de hotel em LA lá estaria ela, ao meu lado.” (pp. 109-111)
- “E então chega o dia da indiferença, em que o cara descobre que é um desgraçado, um miserável, fraco, cego e nu, e com a aparência de um fantasma fatigado e fatídico avança trêmulo por uma vida de pesadelo. Me arrastei para fora da estação, desfigurado. Estava fora de mim. (...) De repente, lá estava eu na Times Square (...) observando com os meus inocentes olhos de estradeiro a loucura completa e o zunido fantástico de Nova York com seus milhões e milhões de habitantes atropelando uns aos outros sem cessar em troca de uns tostões, um sonho maluco (...), o lugar onde nasceu a América das Notas Promissórias. (...) Ao chegar em casa, comi tudo que havia na geladeira. Minha tia (...) foi se deitar e, ainda tarde da noite, eu não conseguia adormecer, fiquei só fumando na cama. Meu manuscrito, pela metade, estava sobre a escrivaninha. Era outubro, em casa, trabalho outra vez. (...) Agora era tarde demais e, além disso, eu havia me desencontrado de Dean.” (pp. 138-141)
- “Compreendi que somente devido à estabilidade da Mente essencial é que essas ondulações de nascimento e morte aconteciam, como se fosse a ação do vento sobre uma lâmina de água pura e serena como um espelho. Senti uma satisfação suave (...) Pensei que ia morrer naquele exato instante. Mas não morri e caminhei uns sete quilômetros (...) Eu era jovem demais para perceber o que havia se passado. (...) Acrescente neblina, neblina úmida que te deixa faminto, e o pulsar do néon da noite suave, o crepitar dos saltos altos das beldades, pombas brancas na vitritne de uma mercearia chinesa... Foi nesse estado que Dean me encontrou quando finalmente decidiu que valia a pena me salvar.” (pp. 217-218)
- “Bati na porta dele às duas da manhã. Ele veio abrir a porta nu em pêlo; poderia ser o presidente dos Estados Unidos batendo que ele estava pouco se lixando. Recebia todo mundo peladão. ‘Sal’, exclamou, com espanto genuíno. ‘Nunca imaginei que você faria isso. Finalmente voltou pra mim.” (pp. 226)
- “E então surgiu um grupo de jovens músicos de bop, desembarcando dos carros com seus instrumentos. (...) E lá estávamos nós! (...) o líder da banda, aquele gato maneiro, lhe dá uns toques pra não se preocupar e apenas tocar e tocar – o som em si e a exuberância compenetrada da música, isso é tudo que lhe que importa! (...) Havia ainda algo a escutar. Sempre há mais, um pouco além, nunca acaba! Eles se esforçaram para encontrar novas frases musicais... (...) Retorceram-se, se enroscaram, sopraram. De vez em quando um gemido preciso e harmonioso sugeria uma nova melodia que algum dia poderia se transformar na única música do planeta Terra, enchendo de alegria os corações dos homens” (pp. 293-297)
- “‘Falar? Claro, falar. Gosta México?’ Era difícil se entender sem uma língua comum. Então todos ficaram quietos, (...) gozando a brisa do deserto e curtindo individualmente suas próprias idéias, raciais e nacionais, de elevada eternidade. Já era tempo de sair em busca das garotas (...), e regressamos lentamente ao centro da cidade, aos solavancos. Mas agora todo esse sacolejar já não era desagradável; foi a mais aprazível, graciosa e trepidante jornada do mundo, como se estivéssemos navegando sob o azul do mar (...) Na rua, recostados nas persianas de madeira das janelas do bordel, estavam dois policiais de calças frouxas, sonolentos e de saco cheio, que nos dirigiram olhares de fugaz interesse enquanto entrávamos (...), e, seguindo o conselho de Victor, demos o equivalente a 24 centavos para cada um deles – só para manter as aparências. E lá dentro encontramos as garotas.” (pp. 344-346)
- “O velho Dean se foi, pensei, e disse em voz alta: ‘Ele vai ficar bem’. (...) Assim, na América, quando o sol se põe e eu sento no velho e arruinado cais do rio olhando os longos, longos céus acima de Nova Jersey, (...) eu penso em Dean Moriarty; penso até no velho Dean Moriarty, o pai que jamais encontramos; eu penso em Dean Moriarty.” (pp. 371-372)
3. Influência
- Geração beat: ele foi o mais famoso expoente de uma corrente artística que revolucionou a literatura americana a partir da década de 1950. A filosofia de vida do grupo poderia ser resumida na seguinte frase: “É melhor fazer e não se arrepender do que pensar, não fazer e se arrepender depois”.
- Movimento hippie: é inegável a influência dos livros de Jack Kerouac para a contracultura que marcou os EUA (e o mundo) no final dos anos 60. A mensagem libertária e emancipatória trazida por eles inspirou milhares de jovens a darem um novo rumo para suas existências.
- Prosa espontânea: sua combinação de fluxo de consciência com uma escrita informal e com pouca pontuação foi bastante influente, renovando a prosa americana do século XX. A pecha de “sub-literatura” não traduz a riqueza poética de Kerouac e aqueles que se inspiraram na sua obra; o New Journalism, p. ex.
- Bob Dylan e Jim Morrison são exemplos de músicos cujas vidas foram impactadas pelo autor. O primeiro fugiu de casa e virou cantor folk; o segundo fundou The Doors.
- Gus Van Sant, Francis Ford Coppola e Johnny Depp, em meados dos anos 90, tentaram fazer uma adaptação de “On The Road”, enaltecendo as sutis camadas de homo-erotismo do livro.
- Após anos de negociação, Walter Salles dirigirá um filme baseado em “On The Road”.