junho 15, 2010

Thoreau e o Indivíduo em Contato com a Natureza

6ª reunião do grupo de Estudos Humanistas, realizada em 11 de Junho.


1. Biografia


• Henry David Thoreau nasceu em 1817, na cidade de Concord.
• Formou-se em Literatura Clássica e Línguas pela Universidade de Harvard. Chegou a ser professor durante alguns anos, mas seus métodos heterodoxos (por exemplo, passeios de campo e não aplicar castigos físicos) geraram críticas e divergências com a escola. Trabalhou durante algum tempo como conferencista e escritor.
• Ligou-se ao Transcendentalismo, que acreditava em um estado espiritual ideal que transcendia o empírico e o prático, sendo realizável somente pela intuição do indivíduo. Tal movimento era formado por escritores como Ralph Waldo Emerson, mas Thoreau não concordava com algumas reflexões mais místicas do grupo, alegando ter maior foco na vida e no presente.
• Foi preso em 1846, por sonegação fiscal; já fazia seis anos que ele se recusava a pagar impostos. Sua tia, no entanto (e contra a vontade de Thoreau), pagou a fiança, e ele foi solto no dia seguinte. Esta experiência o marcou profundamente, e influenciaria seus escritos e atuação pública dali em diante.
• Em sua última década, demonstrou grande interesse por botânica, história natural e narrativa de viagens e expedições. Morreu de tuberculose aos 44 anos, em 1862, em sua cidade-natal.

2. Interpretação


• O autor morou dois anos perto do lago Walden, em um estilo de vida modesto, vivendo com o mínimo de recursos possível. Sendo assim, construiu a sua própria casa, plantou um jardim e, gastando o mínimo possível, comprou e cultivou comida.
• O livro possui certa alternância entre capítulos mais descritivos e analíticos, sempre marcados pelo humor e a perspicácia do autor ao observar a mesquinhez da vida urbana e o desprezo do homem moderno pela natureza. “Walden” possui um estilo bem metafórico, repleto de aforismos.
• Quem nada possui não luta com encargos desnecessários herdados. Quanto mais se possui, mais pobre se é, pois um homem é rico em proporção ao número de coisas de que pode prescindir.
• A opinião pública é uma débil tirana; o que indica o destino de um homem é o que ele mesmo pensa de si. Talvez seja pela resignação à própria autonomia que a maioria dos homens leva vidas de sereno desespero. Eles não percebem que existem outros tipos de vida além daqueles que aceitam ou consideram como bem sucedida.
• São poucas as coisas realmente necessárias à vida; dentre aquelas indispensáveis, são apenas quatro: alimento, abrigo, roupa e combustível. Infelizmente, coisas supérfluas são freqüentemente elevadas ao status de necessidade. As pessoas poderiam lidar melhor com a realidade, pois é somente a ela que almejamos em se tratando de vida ou morte.
• O autor diz que, se houvesse um público-alvo para o seu livro, seriam os estudantes pobres. Como viver – e em liberdade – da maneira mais econômica possível? É desejável que cada um se empenhe em descobrir e seguir seu próprio caminho; a auto-manutenção, se conduzida com sabedoria e simplicidade, é um passatempo, e não um sofrimento.
• O autodidatismo e a atitude “faça você mesmo” são louváveis; de que adianta, por exemplo, estudar economia política se o estudante não aprende a economia de viver, sinônima da filosofia? Com isso, o aluno aprende Adam Smith, Ricardo e Say, mas faz com seu pai fique irremediavelmente endividado.
• Thoreau afirma que foi para os bosques porque pretendia viver deliberadamente, defrontando-se apenas com os fatos essenciais da vida, e ver se podia aprender o que tinha a lhe ensinar, em vez de descobrir à hora da morte que não tinha vivido. Compete a todo homem fazer a própria vida, inclusive nos pormenores, para que suas horas mais elevadas e críticas sejam dignas de contemplação.
• Nossa vida é como uma Confederação Germânica, composta de pequenos estados com as fronteiras sempre flutuando. Uma vida mesquinha, sem simplicidade, é lamentável, na medida em que não valoriza uma conduta calma e sábia.
• O autor não gosta de ler jornais, pois acha a maioria esmagadora das notícias repetitivas, sem novidades e pouco notáveis. Se a pessoa já se familiarizou com um princípio, que importam os inúmeros exemplos e aplicações?
• O famoso capítulo “Leituras” critica a falta de uma cultura letrada em Concord, e faz uma defesa das letras clássicas e de uma literatura mais sofisticada: Os livros encerram o mais precioso tesouro do mundo e a digna herança das gerações e nações. Só escalando esse monte de sapiência é que podemos ter a esperança de alcançar os céus algum dia.
• Os clássicos têm a qualidade de serem íntimos e universais; encerram em si verdades imortais, ensinando-nos a sabedoria e a liberdade. Eles nos treinam para a vida, revelam faces inéditas das coisas. Quantos de nós não inauguramos nova etapa na vida a partir de um livro?
• Para o autor, não podemos ser uma raça de homens-passarinhos cujos vôos intelectuais mal alçam um pouco acima das colunas do jornal. O hábito cômodo da leitura fácil pode levar ao embotamento da visão, a paralisia da circulação vital, o delíquio (desfalecimento) generalizado e o despojamento de todas as faculdades intelectuais. Além disso, reflete uma negligência pela educação, inclusive se considerarmos os gastos públicos nessa matéria.
• Thoreau exorta-nos a construir um arco de sabedoria sobre o abismo escuro da ignorância que nos isola. Que sejamos como o fidalgo de bom gosto que se cerca de tudo quanto contribui para a sua cultura: gênio, erudição, espírito, livros, quadros, estátuas, música, instrumentos filosóficos etc.
• Somos parte integrante da natureza. Ela é como os remédios botânicos de nossa universal e vegetal bisavó, a pílula que nos mantêm bem, serenos e satisfeitos. Sendo ela uma perene fonte de vida, não faz sentido acreditar que alguém que vive fora da sociedade está se isolando. “Deus é só, porém o diabo é legião”. Afinal, a própria sociedade é apenas um ponto no universo. Sendo assim, o contato com a natureza reflete uma aceitação de leis ainda mais sagradas que a do grupo social. Portanto, Thoreau diz que, nos bosques, vive em solidão, mas não solitário, pois está ligado ao ambiente.
- O autor faz um elogio do senso comum enquanto fonte de conhecimento social no capítulo “Visitas”. Ele faz um relato sobre um lenhador canadense com quem fez amizade; era um sujeito que ainda não tinha a doença e o vício que empenam moralmente o mundo. Dotado de humildade, simplicidade e inocência, ele prezava pela verdade e a franqueza. Embora seu lado intelectual e espiritual estivessem cochilando como numa criancinha, e seu entendimento das coisas muitas vezes seguisse um estrito utilitarismo, o lenhador tinha opinião própria, uma casa rara entre as pessoas da região. Certa vez, perguntaram-lhe se não queria que o mundo mudasse; sua resposta desconcertante foi “Não, gosto bastante dele”. Ele tinha certa originalidade positiva, com observações e explicações (ex.: conveniência do dinheiro) tão boas quanto a de um filósofo. Sendo assim, era como um “príncipe disfarçado”, que provava a possibilidade de um homem de gênio nas classes sociais baixas.
• A natureza é um antídoto contra a melancolia, pois nos deixa ligados a sentidos serenos. Não podemos deixar que as companhias ocupem excessivamente nosso tempo, prejudicando nossa tranqüilidade e independência. Hospitalidade é diferente de caridade. Somos mais humanos quando estamos diante de apenas nós mesmos. Aceitar a suposta liga de defesa mútua que o povoado pretende ser seria como viver em promiscuidade, sem respeito mútuo.
• Em sua casa, Henry David Thoreau tinha três cadeiras: uma para a solidão, duas para a amizade e três para as reuniões. As companhias podem ser agradáveis, boas visitas, contanto que saibamos estabelecer limites, evitando pessoas que incomodam, ou um espírito de comunidade que pode ser perigoso se excessivo, deixando-nos mortos em vida. Os indivíduos são como nações, com fronteiras e territórios neutros entre eles.
• Há uma duplicidade de instintos: a vida espiritual e a vida selvagem. Por serem dotados de disposições mais favoráveis para observar a natureza nos intervalos (ao contrário dos filósofos e poetas, que se aproximam dela já com expectativas), os pescadores, caçadores, lenhadores e demais pessoas que passam a vida em campos e bosques são homens por excelência. Aliás, nesse sentido o caçador é o melhor amigo dos animais, mais até que a Sociedade Protetora.
• A boa ciência é aquela que relata o que já sabemos na prática; ou seja, o que já aprendemos com a experiência humana. Deve-se buscar a dieta mais simples e saudável, pois a sobriedade, inclusive sob a forma de castidade e pureza, é preferível à sensualidade, ao apego material excessivo. A oposição comida x apetite elucida tal idéia.
• Toda a nossa vida é surpreendentemente moral, sem um só instante de trégua entre a virtude e o vício. A bondade é o único investimento que nunca falha.
• Outro grande momento de “Walden” é a descrição de uma batalha de formigas (ruivas “republicanas” x pretas “imperialistas”), no capítulo “Vizinhos Irracionais”. Em uma guerra que possuía a verdade acepção de “bellum”, as combatentes lutavam com ferocidade. Pareciam até mesmo dotadas de patriotismo e heroísmo, em um verdadeiro duelo do tipo “Vencer ou morrer”. Eis um dos exemplos para ilustrar a idéia de que os animais são como bestas de carga que transportam boa parte de nossos pensamentos, muitas vezes revelando pureza e inteligência esclarecida pela experiência.
• Todo homem é senhor de seu reino, Colombo de seus continentes. Por isso, muitas vezes, o patriotismo é como uma larva que se instala na cabeça das pessoas. É preciso ter visão e coragem para aceitar o preceito “Conhece-te a mim mesmo”; são os covardes e derrotados que vão para as guerras.
• A questão não é se o homem deve se colocar em oposição à sociedade, mas sim a manutenção de uma atitude compatível com as leis de seu ser, as quais não estarão em oposição às leis governamentais – se, é claro, ele tiver a sorte de se defrontar com um governo justo.
• Comparados com os antigos ou mesmo com os elisabetanos, será que os americanos são anãos intelectuais? Não, pois cada um deve se ocupar de seus próprios afazeres. Mais vale um cão vivo que um leão morto. As coisas não mudam; somos nós que mudamos: eis o argumento que Thoreau utilizou para, dois anos e meio depois, abandonar os bosques. Alegou que ainda tinha várias vidas para viver.
• Mais que amor, dinheiro e fama, que se dê a verdade. A lucidez é digna de elogio, pois uma pessoa deve priorizar o tem que dizer e não o que deveria dizer. A auto-complacência é uma característica lamentável de nosso século (XIX), tão desassossegado, nervoso, dinâmico e vulgar. Mesmo assim, a vida bela e alada pode se fazer ouvir, em meio às camadas concêntricas de madeira da vida seca e morta da sociedade. Só amanhece o dia para o qual estamos acordados.
• Pode-se afirmar, após a leitura de “Walden”, que Thoreau vê a libertação como emancipação de necessidades artificiais, assim como um maior contato com a natureza. Para ele, o indivíduo jamais deve se deixar escravizar pela opinião pública. Ou seja, enfrentar e viver a vida, mesmo se sua conduta for encarada como “extravagância”. O que importa é avançar confiantemente, esforçando-se por viver a vida que se imagina e quer.


3. Revisão Bibliográfica


• “Walden, de Henry David Thoreau é uma celebração do mundo natural e uma sugestão de escape à sociedade industrial (que, à época, se econtrava nos seus primórdios). Um escape radical à organização mecânica da sociedade humana, um escape poético, idealista: que o homem moderno abandone as suas máquinas, as suas posses, as regras opressoras de uma sociedade viciosa e, plena e sabiamente, regresse à selva. (...) Walden é, apesar da sua composição cuidada e quase poética, um manifesto prático. Thoreau não pretendia apenas mostrar como a vida no campo poderia ser agradável; queria descredibilizar a sociedade industrial do Século XIX, demonizar o progresso e o desenvolvimento material. (...) Dois anos de isolamento, de vida simples, de observação da natureza e de procura de uma transcendência vagamente impossível no centro de uma sociedade industrializada, produziram um livro belo e intensamente poético, escrito com mestria e cheio de boas intenções. Boas intenções que inspiraram, e ainda inspiram, a seita ambientalista - que nos nossos dias é mais uma regra do que a excepção corajosa que era quando Thoreau compôs o seu Life in the Woods - , ou o movimento hippie, nos anos sessenta.” (blog “Literatura dos Estados Unidos até 1900”)

• “Embora às vezes difícil de se ler por seu tom tão minucioso em relação à contemplação da natureza que Thoreau fez nos dois anos em que morou perto do Lago Walden, a obra é memorável. É raro ver um escritor que consegue encantar tanto o leitor com a celebração de seu estilo de vida. O Henry David Thoreau de "A Desobediência Civil" também está presente aqui, com todo o seu individualismo e misantropia - obviamente, no melhor sentido que tais posturas possam vir a ter.
O livro, embora alterne entre capítulos mais descritivos e outros mais analíticos, tem certas passagens que se sobressaem, seja pelo humor (como a do título) ou pela perspicácia em analisar o quanto a mesquinhez da vida urbana e o desprezo pela natureza podem apodrecer a alma do ser humano. (...) [O capítulo] "Leituras”, [por exemplo], é excelente na tentativa de enfatizar o valor dos clássicos que formaram o chamado Cânone Ocidental. [Devo] reconhecer que, a despeito da distância histórica entre eu e ele - afinal, em 1847 eu talvez gostasse mais de viver em contato com a natureza -, ainda tenho algo a aprender com um sujeito que foi viver nos bosques e que, de tal solidão, retirou uma valiosa experiência de vida.”
(blog “Racio Símio”)

4. Influência


• Embora subestimado na época (Stevenson disse que sua ida aos bosques foi “afeminada”; Emerson dizia que era pouco ambicioso), ao longo dos anos este escritor tornou-se um símbolo da cultura americana. O pensamento social e filosófico dos EUA foram muito influenciados pela abordagem de H. D. Thoreau. Por exemplo, a sua concepção de um individualismo dotado de responsabilidade socioambiental: “é preciso primeiro aprimorar o indivíduo para aprimorar o mundo”.
• Mahatma Gandhi, líder político no processo de Independência da Índia (1947), leu o livro quando estava na prisão, na África do Sul. Quem lhe recomendou a leitura foi o escritor russo Leon Tolstoi.
• Resistência passiva: vários movimentos por direitos civis durante o século XX (inclusive o de Martin Luther King, nos EUA) se inspiraram em “A Desobediência Civil” ao fazer protestos políticos baseados na não-cooperação com o Estado e no pacifismo.
• Libertarianismo: suas posições anti-Estado e favoráveis à liberdade individual, à independência e ao livre mercado foram de grande influência para esta corrente. Segundo o livro "Radicals for Capitalism" (Brian Doherty), que conta a história do movimento libertário, máximas do autor como “O melhor governo é o que governa menos”.
• Ecologia: H. D. Thoreau é considerado um dos primeiros ambientalistas. Ele associava natureza com liberdade, e demonstrava ceticismo quanto ao progresso tecnológico.
• “Na Natureza Selvagem" (“Into the Wild”), filme baseado na história de Christopher McCandless, um jovem que, após se formou, largou família, dinheiro e um futuro certo para viajar pelos EUA, tendo como destino final morar no Alasca. A postura ascética de Chris tem por influência a leitura de autores como Thoreau.

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