novembro 13, 2010

Socialismo e Nazismo em "O Caminho da Servidão": fundo em comum e valores a que se opõem

Aula ministrada na disciplina Formação e Dinâmica do Mundo Moderno, em 20 de Outubro.

1. Interpretação


Capítulo 11 - O Fim da Verdade
- Para que um sistema totalitário funcione com eficiência, não basta que todos sejam obrigados a trabalhar para os mesmos fins; é essencial que o povo passe a considerá-los seus fins pessoais. Uma propaganda unidirecional e ampla é um instrumento poderoso para alcançar isso.
- Não basta ensinar um código moral único e completo; é preciso destruir todas as regras morais ao minar um dos fundamentos de toda a ética: o senso da verdade e o respeito a ela. O objetivo é que as pessoas concordem não apenas com as finalidades últimas, mas também com as idéias sobre os fatos e as possibilidades em que se baseiam as medidas específicas. Ou seja, será preciso inventar teorias para justificar cada um dos atos, estabelecendo relações entre os fatos com a doutrina dominante.
- A perversão da linguagem é uma das características do clima intelectual dos sistemas totalitários. Por exemplo, quando se fala em "novas liberdades". Passa-se a justificar as idéias oficiais por meio de um controle total da opinião. A própria palavra "verdade" perde o seu antigo significado, passando a ser algo a ser definido pelas autoridades.
- Muito se diz que na nossa sociedade não existe a verdadeira liberdade de pensamento, porque as opiniões e os gostos das massas são moldados pela propaganda, pela publicidade, pelo exemplo das classes superiores e por outros fatores ambientais que obrigam o pensamento a se conformar a padrões estabelecidos. Porém, isso justifica utilizar intencionalmente esse poder para levar a população a pensar da maneira que nos parece conveniente?
- Menosprezar a liberdade de pensamento só porque uma minoria vê nela um profundo significado (afinal, a grande maioria das pessoas raras vezes é capaz de pensar com independência, geralmente se deixando levar pela opinião corrente) implica não atentar para os motivos que conferem a essa liberdade o seu valor. É essencial que haja direito de dissensão, que toda causa ou idéia possa ser contestada e posta à discussão.

Capítulo 12 - As Raízes Socialistas do Nazismo
- O nacional-socialismo não é uma simples revolta contra a razão, tampouco uma reação do capitalismo contra o avanço do socialismo. Pelo contrário: foi a união das forças anticapitalistas de esquerda (radicais) e direita (conservadores), combatendo (e destruindo) tudo que havia de liberal na Alemanha.
- O tratamento da guerra de 1914 como emanação do ideal de organização é sintomático. Vários teóricos foram decisivos nessa aproximação entre o revanchismo nacionalista e conservador com o socialismo econômico: cultura heróica x civilização mercantil (Sombart), comunidade do povo e organização x autodeterminação e individualismo (Plenge), “O Estado passou por um processo de socialização e a social-democracia sofreu um processo de estatização” (Lensch), identidade entre prussianismo e socialismo (Spengler).
- Em suma, a luta contra todas as formas de liberalismo que derrotara a Alemanha foi a idéia comum que uniu, numa frente única, socialistas e conservadores. O papel do ressentimento.

Capítulo 14 - Condições Materiais e Objetivos Ideais
- Um dos mitos dominantes em nossa época é o “fim do homem econômico”. Ora, as convicções e aspirações do homem de hoje são profundamente influenciadas por doutrinas econômicas; continuamos a buscar bem-estar material. Porém, há pouco sacrifício das exigências pessoas a considerações econômicas (materialistas sem limites morais); ignora-se que não existe “abundância em potencial”. Essa postura de desprezo e intolerância pode ser chamada de “economofobia”: o homem passou a encarar com ódio e revolta as forças impessoais (mercado) na medida em que fossem frustrados os seus esforços individuais. Isso é reflexo de um fenômeno mais geral: uma (nova) relutância em submeter-se a qualquer regra cujo fundamento lógico não seja compreendido. Porém, uma civilização complexa como a nossa não se baseia justamente no ajustamento do indivíduo a mudanças cuja causa e natureza ele não pode compreender?
- A recusa a ceder a forças que não podemos compreender nem reconhecer como decisões conscientes de um ser inteligente é fruto de um racionalismo incompleto e, portanto, errôneo. Enganam-se quando afirmam que devemos aprender a dominar as forças da sociedade da mesma forma que dominamos as da natureza. Esse é o caminho do totalitarismo, pois a liberdade individual é inconciliável com a supremacia de um objetivo único ao qual a sociedade inteira deva submeter-se num regime totalitário (exceção feita à guerra).
- O bom senso e a austeridade são fundamentais no período pós-guerra, quanto às mudanças econômicas. A única possibilidade de construirmos um mundo decente – e evitar que a democracia entre em colapso - está em podermos continuar a melhorar o nível de riqueza.
- A liberdade de ordenar nossa conduta numa esfera em que as circunstâncias materiais nos obrigam a escolher e a responsabilidade pela organização da nossa existência de acordo com nossa consciência, são a única atmosfera em que o senso moral se pode desenvolver. Trocando em miúdos, só podem existir padrões morais para guiar a ação política e social se houver livre-arbítrio e responsabilidade pessoal. Isentar o indivíduo das conseqüências de seus atos não pode deixar de ser prejudicial à moral nos seus efeitos; o relaxamento da conduta individual leva a injustiças ainda maiores.
- Os britânicos não podem perder a fé nos valores e tradições que formaram a civilização inglesa. O coletivismo não tem como substituir as virtudes de uma sociedade individualista: independência, confiança em si mesmo e disposição para assumir riscos e cooperar voluntariamente com os nossos semelhantes. É esse fundo comum, “falar a mesma linguagem”, que permitirá inclusive a adesão dos alemães e italianos desiludidos com o totalitarismo. A intelligentsia esquerdista não admite que os valores morais dos quais a maioria deles se orgulha são na sua maioria produto de instituições que se propõem a destruir.

Conclusão
- Devemos aprender com os erros cometidos no passado recente. Em vez de criar novos princípios para “guiar” ou “dirigir” os indivíduos, devemos liberar a energia criadora deles. É fundamental buscar o consenso quanto ao princípio orientador, que continua tão verdadeiro hoje quanto no século XIX: uma política de liberdade para o indivíduo é a única política que de fato conduz ao progresso.

2. Revisão Bibliográfica
- George Orwell, “1984”: Winston Smith começa a ler o livro de Goldstein, sobre a "Teoria e Prática do Coletivismo Oligárquico". Segundo este, há três classes (Alta, Média e Baixa), sendo que as duas primeiras historicamente se alternam no poder, mesmo que por meio de revoluções; a vencedora passa a manter o "status quo" e a perdedora assume o tom insurrecional que antes combatia. Além disso, existem 3 superestados em guerra permanente: Oceania (EUA + Império Britânico + Sul da África), Eurásia (Rússia + Europa Continental) e Lestásia (China + Sudeste Asiático), sendo que cada um adota variações da doutrina socialista: Ingsoc, Obliteração do Ego e Adoração da Morte, p. ex. O objetivo dessas guerras seria destruir excedentes, e assim manter o sistema funcionando.
Para justificar estas e outras atrocidades e perpetuar a estrutura hierárquica criada, criou-se a Novilíngua, que impossibilita outras formas de pensamento que não fossem a da cosmovisão Ingsoc. A Polícia do Pensamento, por meio de mecanismos como o "duplipensar" (sistema de fraude mental que reconcilia contradições), opera a mutabilidade do passado, destruindo progressivamente a própria verdade histórica. Além disso, o personagem orwelliano afirma que o socialismo era o último elo de uma cadeia de pensamento iniciada com a revolta dos escravos antigos, mas que foi infectada pelo Utopismo, que ao longo de suas variantes, diminui progressivamente seus propósitos de liberdade e igualdade.
Sua resenha sobre “O Caminho da Servidão” é parcialmente elogiosa. Ele ressalta que, para Hayek, os nazistas tiveram êxito na Alemanha porque os socialistas já tinham feito a maior parte do trabalho deles, especialmente o enfraquecimento das idéias de liberdade. Mais importante ainda foi enxergar que o coletivismo não é inerentemente democrático, pois dá a uma minoria tirânica poderes tais jamais sonhados pelos inquisidores espanhóis. Orwell, em outro ensaio, afirma que, a partir de 1933, o pecado de todos os esquerdistas é que queriam ser anti-fascistas sem ser anti-totalitários. 

- Meira Penna, “O Espírito das Revoluções”: “O Caminho da Servidão” denunciou tanto o socialismo de esquerda quanto o nazi-fascismo como formas econômicas que, irresistivelmente, conduzem à escravização do homem. Hayek insistia na relação íntima entre a economia, a teoria da evolução e o desenvolvimento da cultura. A pretensão (ou arrogância) fatal consiste em, seguindo Mises, que o progresso possa resultar de vários desígnios e projetos racionais coletivos e não, simplesmente, da ação criativa e competitiva do homem individual. O mercado configura uma ordem criativa (“cosmos”), em oposição ao arranjo construtivista intencional e racionalista (“taxis”).

- José Guilherme Merquior, “O Argumento Liberal”: F. A. Hayek propõe um verdadeiro desmantelamento do social-liberalismo, um retorno em regra ao estado-mínimo e à convicção de que o progresso deriva automaticamente de uma soma não-planejada de iniciativas individuais. Ou seja, quietismo governamental no plano econômico e simples legalismo no plano político-social. Porém, tal utopia dificilmente atenderá aos impulsos democratizantes das sociedades industriais de modelo liberal, muito menos às exigências sociais de países (como o Brasil) em que a “síntese democrático-liberal” permanece incompleta.
Seguindo Kolakowski, os conservadores estão certos ao sustentar que nem todos os males humanos têm causas sociais, portanto não são elimináveis por simples engenharia social; os liberais tem razão em pretender que o propósito fundamental do estado deve ser a segurança do cidadão, e o sistema social não deve ser refratário à iniciativa individual; os socialistas recusam o pessimismo antropológico dos conservadores, pois defendem que a realização de reformas sociais, onde e quando necessárias, também é perfeitamente válida.
No artigo “Guerra ao Homo Economicus”, ele alega que a imagem do indivíduo calculador, imbuído de racionalidade instrumental é cada vez mais pintada como uma mutilação moral e uma aberração metodológica em ciência social. Tal crítica vem de diversas disciplinas, perpassando por autores como Rawls, Habermas, Macpherson e Polanyi. Porém, é preciso notar que seus denunciantes costumam caricaturá-lo além dos limites. Na verdade, a imagem do homem proposta pela análise econômica é, simplesmente, a de um seletor; a economia nunca encarou ninguém como um maximizador com um objetivo único. O que o homo economicus faz é justamente escolher. O que define a sua conduta não é a qualidade de seus objetivos, mas apenas a lucidez do seu agir. Há efeitos não-desejados provocados por ações perfeitamente racionais. Polanyi, um exemplo da ideologia “economicida” desses autores, opera uma antropologia econômica para afirmar que a autonomia do econômico é apenas uma breve anomalia histórica. Essa ótica, além de dificultar uma análise objetiva da sociedade contemporânea, ignora uma potencialidade natural do agir humano, exagera na idéia de comunidade e resgata a arcaica concepção de Aristóteles para falar em formas “naturais” de atividade econômica.

- Leda Maria Paulani, "Hayek e o Individualismo no Discurso Econômico": Hayek tem uma metateoria individualista (o conhecimento é subjetivo), mas uma teoria não individualista (nem toda ação humana é racional e autônoma), o que nos leva àquilo que Jon Elster chama de paradigma funcional fraco: conseqüências não pretendidas. Em outras palavras, na ordem espontânea hayekiana, a localização econômica enquanto estrutura influencia o comportamento dos atores, mas não o determina - ao contrário do que ocorre no paradigma funcional principal (Keynes, Marx) ou no forte (Althusser). Portanto, o indivíduo em si só existe em sociedade, e por meio das leis. Isso nos leva a uma espécie de contradição: quando ele é, se nega; mas, no caso dos marxistas, quando não se nega, já não o é mais.

- Friedrich Hayek, “Por que não sou Conservador”: para demonstrar as claras diferenças entre o pensamento liberal e o conservadorismo, o autor aponta inúmeras falhas do último, como o seu desprezo pelas idéias e sua eterna falta de alternativas ideológicas, ou seja, sempre se apropriando daquilo que lhe seja mais conveniente para chegar ao poder; a aliança dos conservadores com os socialistas na época do nazi-fascismo, para anos depois se ligarem aos libertários para criticar o New Deal, são bons exemplos disso.
Além disso, salienta-se a obsessão dos conservadores por frear mudanças e manter a "ordem", mesmo que ao preço de métodos autoritários e a ausência de princípios. As suas convicções morais, ao invés de moderá-los, levam-os a um fanatismo que os aproxima justamente de seus supostos grandes adversários: "Como o socialista, o conservador preocupa-se menos com o problema de como deveriam ser limitados os poderes do governo do que com o de quem irá exercê-los; e, como o socialista, também se acha no direito de impor às outras pessoas os valores nos quais acredita. (...) E, em sua tentativa de desacreditar a livre iniciativa, muitos líderes conservadores rivalizaram com os socialistas".
Por último, Hayek tenta encontrar a melhor definição ideológica para si mesmo. Lamenta a distorção do termo 'liberal' na Europa e, principalmente, na América. Ele lembra que, nos EUA, é muito comum o termo 'libertário' como substituto, mas ele não gosta dessa denominação. Acaba optando por "old Whig", inspirando-se em Edmund Burke e nos liberais clássicos.

3. Plano de Aula
Tema: As ligações perigosas entre Socialismo e Nazismo e a importância da “Liberdade com Responsabilidade”

I – A distorção dos conceitos (ex.: “liberdade”) e suas conseqüências morais. A perversão da linguagem pelos totalitários.
II – Breve comparação com “1984” (George Orwell): duplipensar, Polícia do Pensamento.
III – A associação entre socialismo e nazismo. Ressentimento, anti-liberalismo e coletivismo: comuns a nacionalistas e socialistas. Contraste com visão dominante (nazi-fascismo como capitalismo monopolista).
IV – A aliança entre socialistas e conservadores (ex.: fabianos e o Imperialismo), e as ameaças que traz para a ordem liberal-democrática. A relação triangular dos partidos.
V – A “economofobia” e suas limitações econômicas e éticas. A atitude “old whig” quanto aos valores.
VI – Críticas feitas a Hayek por social-democratas e libertários. Qual é o legado de “O Caminho da Servidão” para a discussão do mundo moderno.

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