1ª reunião do grupo de estudos em 2011, realizada em 8 de Abril.
Livro I
- A oratória política recai menos que a forense (jurídica) em assuntos não-essenciais. Além disso, é menos dada a práticas inescrupulosas, porque trata de assuntos mais amplos – inclusive os interesses vitais do homem que forma julgamento.
- O estudo retórico, em senso estrito, está preocupado com os modos (meios) de persuasão. Persuasão é um tipo de demonstração. Entimema é um tipo de silogismo.
- O homem tem impulso natural para o que é verdadeiro. A retórica é útil porque: 1) Ratifica a tendência natural do que é justo e verdadeiro de prevalecer sobre seus opostos; 2) Convencer uma audiência, pois o conhecimento exato por si só não consegue instruir a todos; 3) Persuadir a partir de uma visão clara dos fatos; 4) Permitir a um homem defender a si mesmo por meio do discurso racional. Porém, é importante lembrar que o uso de tal poder oratório para causas injustas causa muitos males.
- A retórica está preocupada em discernir meios reais e aparentes de persuasão. O que a define não é o propósito moral (que cabe à dialética), mas a habilidade.
- Três são os modos de persuasão fornecidos pelo discurso: 1) Depende do caráter moral do orador (ethos); 2) Colocar a audiência em certa disposição mental (emoções; pathos); 3) Prova, ou prova aparente, presente nas palavras do próprio discurso (raciocínio lógico; logos).
- Entimema é o silogismo retórico. Exemplo: indução retórica. Se certas proposições forem verdadeiros, uma proposição adicional e distinta também o será. O entimema consiste de poucas proposições, menos do que um silogismo normal.
- Probabilidade é algo que geralmente ocorre. É contingente e variável. Sinal é o indício a partir da relação entre dois fatos: particular e universal. Se existir, ele é uma prova completa, irrefutável. Exemplo: quando duas afirmações são de mesma ordem, mas uma é mais familiar que a outra.
- Linhas de argumentação: especial ou geral. Três são os elementos do discurso: orador, assunto e pessoa ao qual é endereçado (audiência, ouvinte). O ouvinte pode ser um juiz (decide sobre algo do futuro ou passado) ou um observador.
- Três tipos de oratória: 1) Política (deliberativo) – fazer ou não fazer algo; preocupada com o futuro; visa a estabelecer a necessidade (benefício) ou prejuízo do curso de ação proposto; 2) Forense (judicial) – atacar ou defender alguém; preocupada com o passado; lida com a justiça ou a injustiça de uma ação; 3) Demonstrativo – elogiar ou censurar alguém; preocupada com o presente; discorre sobre a honra e valor ou seus opostos.
- A retórica é a combinação da ciência analítica com o saber político relativo aos caracteres; de um lado, a dialética e do outro, os discursos sofísticos.
> Retórica Deliberativa
- Os cinco principais temas dos discursos deliberativos são: finanças (aumentar riqueza e reduzir gastos), guerra e paz (poder militar, lida com o histórico do próprio país e do inimigo), defesa nacional (métodos de defesa, pontos estratégicos), importações e exportações (oferta de comida, vantagens na troca) e legislação (entender leis do país; constituições/regimes/tipos de governo).
- O fim da deliberação é a felicidade, que pode ser definida como prosperidade combinada com virtude, vida mais agradável com segurança, auto-suficiência da vida etc.
- O alvo do orador deliberativo é a utilidade (conveniência); a deliberação deve determinar não os fins, mas os meios (o que é mais conveniente a se fazer).
- A superioridade de uma classe sobre outra é proporcional à superioridade possuída por suas maiores espécimes. Aquilo que é produzido por um maior bem é por si só um maior bem; aquilo que é desejável por si mesmo é um maior bem que alguma coisa que não é desejável por si mesma, afinal pode existir por conta própria (auto-suficiência). O mesmo vale na comparação entre aquilo que é causa e o que não o é.
- Uma coisa pode ser mostrada como mais importante que outra por dois pontos de vista opostos: 1) Porque é o começo (início) e a outra não é; 2) Porque não é o início e a outra é – quando o fim for mais importante. Tudo depende daquilo cujo contrário for o maior mal (vício).
- Quanto mais algo é desejado, melhor é. O que se volta para a realidade é melhor do que aquilo que se volta para a aparência. O que um homem quer ser é o melhor do que um homem quer parecer.
- O fim de cada forma de governo: 1) Democracia – liberdade; 2) Oligarquia – riqueza; 3) Aristocracia – manutenção da educação e das instituições nacionais; 4) Tirania – proteção do tirano.
> Retórica Demonstrativa
- Virtude: produzir e preservar coisas boas e/ou dar grandes benefícios, de todos os tipos em todas as ocasiões, que sejam úteis aos demais. Nobre: algo desejável por si mesmo e também digno de louvor.
- Justiça é possuir o que lhe é devido. A nobreza de algo está mais ligada à honra que ao dinheiro. Ela está associada às ações que um homem faz por seu povo sem pensar em si mesmo, mesmo que com isso precise morrer. São coisas que merecem ser lembradas.
- Quando quiser louvar alguém, pense naquilo que você desejaria que as pessoas fizessem; já quando quiser desejar que algo seja feito, pense naquilo que você louvaria em um homem por fazê-lo. Para estimular um homem a fazer algo de valor, compare-o com homens famosos e de grandes feitos ou pessoas que tenham excelência em algo.
> Retórica Judicial
- Injustiça: causar dano (prejuízo) voluntariamente contra a lei. Devem ser levados em consideração, para a retórica judicial: em primeiro lugar, a natureza e o número das razões pelas quais se comete injustiça; segundo, a disposição dos que a cometem; terceiro, a o caráter e a disposição dos que a sofrem.
- A lei pode ser específica (regula a vida de uma comunidade em particular) ou geral (princípios não-escritos que se supõem conhecidos por toda parte).
- As causas para atos intencionalmente prejudiciais são o vício e a falta de autocontrole. Todo mal qu alguém inflige aos outros corresponde às suas falhas de caráter.
- Toda ação é devida a uma destas sete causas: 1) Acaso – aquela cuja causa não pode ser determinada; 2) Natureza – causa fixa e interna; 3) Compulsão – contrário ao desejo ou razão; 4) Hábito – ações desempenhadas com freqüência, e que por isso dão prazer; 5) Raciocínio – tendo em vista algum bem; 6) Ira – vingança; 7) Apetite – prazer.
- Prazer é o movimento em que a alma é conscientemente levada ao seu estado normal ou natural. O contrário é a Dor. Prazeroso é o que não é forçado a nós; ou seja, atos que não envolvem compulsão.
- Para fazer uma injustiça, o malfeitor deve supor que a coisa pode ser feita, e feita por ele: 1) Ou pode ser feita sem que ninguém descubra; 2) Ou, caso descoberto, ele pode escapar da punição; 3) Ou, caso punido, a desvantagem é menor do que o ganho para ele ou para quem ele agiu.
- As pessoas acham que podem fazer uma injustiça sem serem punidos porque possuem: eloqüência, habilidade prática, experiência legal, muitos amigos ou uma grande quantia de dinheiro.
- Você pode se sentir apto a fazer parecer que o seu crime se deveu ao acaso, ou à necessidade, ou a causas naturais, ou ao hábito; ou seja, como se você tivesse falhado em fazer o bem ao invés de realmente ter feito o mal.
- Cometer uma injustiça a alguém que já fez mal a outras pessoas (ou teve a intenção, ou mesmo provavelmente o faria) tem um quê de agradável, pois parecer que quase não há injustiça nisso.
- Há dois tipos de lei: 1) Universal – lei da Natureza, justiça natural que liga todos os homens, ex.: Antígona; 2) Particular – cada comunidade a aplica a seus próprios membros.
- Uma injustiça pode ser causada a uma pessoa (ex.: adultério) ou à comunidade (ex.: recusar-se a fazer serviço militar). Sofrer injustiça consiste em sofrer prejuízo por alguém que teve a intenção de fazê-lo. Com isso, 1) Sofre dano real e 2) Sofre-o contra a sua vontade.
- Aquele que cometeu injustiça pode até admiti-lo, mas não aceitará os rótulos que o juiz lhe atribuir (roubo, adultério, sacrilégio...).
- Infortúnio é o ato com resultados inesperados, não devido à maldade moral. Erro de julgamento designa o ato cujos resultados poderiam ser esperados, mas este não se deve a maldade. Ato criminoso tem resultados que poderiam ser esperados, e ato se deve a maldade moral.
- Uma maneira retoricamente efetiva de fazer a acusação é alegar que não só um, mas vários crimes foram cometidos simultaneamente (“um crime que consiste em vários”).
- Os meios não-técnicos de persuasão são:
1) Leis – argumento pela lei universal ou pela ambigüidade na interpretação (“deve-se considerar a justiça e a conveniência”). Se lei for desfavorável, alegue que é uma situação sem precedente; se for favorável, apele à fidelidade da letra (lei).
2) Testemunhas – podem ser ancestrais (poetas, pessoas notáveis. Ex.: Homero, provérbios) ou recentes (pessoas conhecidas que expressaram suas opiniões sobre a matéria em disputa). As testemunhas que correm risco de punição caso suas evidências se revelarem falsas são confiáveis e altamente válidas. Se não tiver testemunhas, alegue ao juiz que decida pelo que é mais provável (verossímil); mas, se as tiver e o outro homem não, argumente que probabilidades não podem ser colocadas em julgamento.
3) Contratos – argumentos podem ser empregados para aumentar ou diminuir sua credibilidade. Em ambos os casos, apele ao caráter daquele que assinou ou tem custódia sobre o contrato. Se situação for desfavorável, diga para que decidam o que é justo (“onde repousa a justiça?”), ao invés de se ater ao documento; alegue também a questão da conveniência.
4) Torturas – a favor dela, pode-se dizer que é a única forma infalível de evidência; e contra, que pessoas sob compulsão mentem tanto quanto se não estivessem sob tortura. Pode ser considerada como evidência indigna de confiança ou valor de verdade.
5) Juramentos – se você se recusar a oferecer juramento, argumente que há risco de perjúrio, e que não tem vantagens em oferecê-lo (se ele jurar, você perde dinheiro; se não o fizer, os juízes vão decidir contra ele). Se recusar a aceitá-lo, alegue que isso se deve a altos princípios, que seria algo velhaco fazê-lo (diga que o outro é impiedoso, logo indigno de confiança). Se aceitar, diga que acredita em si mesmo, mas não no oponente; alegue piedade para o impiedoso. Se oferecer, diga que a piedade o dispõe a se comprometer com os assuntos divinos; fale que o oponente tem medo ou que não faria o mesmo.
Livro II
- Há três coisas que inspiram confiança no caráter do orador: bom senso, bom caráter moral e boa vontade. Porém, não bastam uma ou duas; é preciso ter as três.
> As Emoções
- A ira (raiva, cólera) é o impulso, acompanhado de dor, para uma vingança notável por um desprezo, também notável, dirigido sem justificativa quanto ao que concerne a alguém ou aos amigos de alguém. A expectativa de vingança traz prazer.
- Três são os tipos de desprezo: desdém, rancor e insolência.
- Sentimo-nos particularmente raivosos quando suspeitamos que nós de fato - ou que as pessoas pensam que - não possuímos a qualidade que julgamos ter (ex.: talento para a filosofia).
- Acalmar-se (ficar calmo) é apaziguar-se ou aquietar a raiva. Temor e respeito dissuadem a ira.
- Amigo é aquele que se regozija com as coisas boas e se entristece com as nossas amarguras, sem outra razão que não seja a pessoa amada. Amizade é querer para os amigos o que se deseja para si próprio.
- O medo consiste em uma situação aflitiva ou numa perturbação causada pela representação de um mal iminente, ruinoso ou penoso. As coisas temíveis são as que parecem ter um enorme poder de destruir ou de provocar danos que levem a grandes tristezas. O medo leva as pessoas a deliberar; ninguém delibera sobre casos desesperados.
- Como a maior parte dos seres humanos são bastante maus, dominados pelo desejo de lucro e covardes nos perigos, na maior parte dos casos é perigoso estar à mercê de alguém. - Os mansos, irônicos e velhacos são mais perigosos do que aqueles que falam com franqueza, pois nunca se sabe se estão prontos a atacar.
- A confiança é o contrário do medo; a esperança é acompanhada pela representação de que as coisas que estão próximas podem nos salvar. São confiantes os que pensam ter alcançado grandes êxitos, ou que estiveram à beira de perigos e deles escaparam.
- A vergonha é um pesar ou perturbação de espírito relativa a vícios, presentes, passados ou futuros, suscetíveis de levar a uma perda de reputação. Já a desvergonha consiste no desprezo ou insensibilidade perante estes mesmos vícios. Sentimos vergonha na presença daquelas pessoas cuja opinião nos interessa.
- Um favor é um serviço em relação ao qual aquele que o faz diz que faz um favor a alguém que tem necessidade, não em troca de alguma coisa ou em proveito pessoal, mas só no interesse do beneficiado.
- A piedade consiste numa certa pena causada pela aparição de um mal destruidor e aflitivo, afetando quem não merece ser afetado. As desgraças que nos parecem próximas são as que produzem piedade. Aqueles que reforçam o seu desgosto por meio de gestos, de vozes, de indumentária e, em geral, de gestos teatrais, excitam mais a piedade; ao pôr diante dos nossos olhos o mal, eles fazem com que ele pareça próximo.
- A indignação contrapõe-se à piedade; ambas são paixões próprias de um caráter nobre. A indignação se volta contra os que gozam de uma felicidade imerecida. Se um homem de bem não obtém o que é proporcional à sua virtude, isso é motivo de indignação. Porém, é preciso se julgar digno de algo.
- Sentirão inveja aqueles que são ou parecem ser nossos pares; julgam-se, por opinião própria ou na dos outros, serem muito inferiores ou superiores aos seus rivais. O sentimento de pena é acompanhado pelo prazer em situações contrárias; querem impedir que o vizinho consiga certos bens.
- A emulação consiste num certo mal-estar ocasionado pela presença manifesta de bens honoríficos e que se podem obter em disputa com quem é nosso igual por natureza, não porque tais bens pertençam a outrem, mas porque também não nos pertencem. Ela é própria de pessoas de bem, enquanto que a inveja é desprezível. São igualmente êmulos os que possuem bens de homens honrados (riqueza, abundância de amigos, cargos públicos etc.); julgam que são dignos de tais honrarias. Virtudes que são valorizadas: coragem, sabedoria e liderança. O contrário da emulação é o desprezo.
> Os Tipos de Caráter
- Os jovens são propensos aos desejos passionais e inclinados a fazer o que desejam. São volúveis: tão depressa desejam quanto deixam de desejar. A maior parte dos jovens vive na esperança. No começo da vida, nada há para recordar, tudo há a esperar. São impulsivos e otimistas, e preferem o belo ao conveniente.
- Os idosos são mais cautelosos; eles nada afirmam de categórico. Desconfiados devido à sua experiência, costumam ser mesquinhos e frios. Preferem o útil ao belo, e tendem a ser egoístas. Geralmente pessimistas.
- Os que estão no auge da vida (adultos) têm um caráter intermediário. Ex.: combinam temperança e coragem.
- Nobre é aquele cujas virtudes são inerentes a uma estirpe; possui nobre caráter quem mantém as suas qualidades naturais. A nobreza tende a tornar mais ambicioso quem a possui; há tendência para o desprezo.
- Os que possuem riqueza são soberbos e orgulhosos, voluptuosos e petulantes. Caráter: louco afortunado.
- Os poderosos são mais ambiciosos e viris que os ricos, mas também mais diligentes e dignos.
> Estrutura Lógica do Raciocínio Retórico
- Se foi possível um contrário existir um ter existido, também o outro contrário há de parecer possível. Se uma coisa aconteceu, ela deve ser examinada com base no que se segue.
- Argumento pelo exemplo: há duas espécies de exemplo – uma consiste em falar de fatos históricos (ex.: estratégias adotadas em guerras anteriores), a outra em inventá-los o próprio orador (ex.: parábolas – como os ditos socráticos -, fábulas – tais como as de Esopo).
- Vantagem da argumentação mediante fatos anteriores nas deliberações públicas: na maior parte dos casos, os acontecimentos futuros são semelhantes aos do passado.
- A máxima é uma afirmação geral que não se aplica ao universal, e não ao particular; não a todas as coisas, mas só às que envolvem ações e que podem ser escolhidas ou rejeitadas em ordem a uma determinada ação.
- As conclusões e os princípios dos entimemas, pondo de lado o silogismo em si, são máximas. Recorre-se ao epílogo apenas quando a máxima exprime algo de paradoxo ou controverso.
- Falar em termos gerais do que não é universal é adequado à lamentação e ao exagero.
- Para mostrar um caráter superior, o orador pode refutar ditos populares (“Conhece-te a ti mesmo”, p.ex.), contanto que evidencie sua intenção. Outro aspecto a ser considerado é que agrada aos ouvintes um discurso feito em termos gerais daquilo que tinham pensado entender antes em termos particulares.
- O caráter ético ocorre em discursos que manifestam claramente a intenção do orador.
- Os oradores mais incultos são mais hábeis em falar perante uma multidão, pois tocam no assunto de maneira mais direta, sem cair em obscuridade ou verborragia.
- Os oradores não devem tomar como ponto de partida todas as opiniões, mas só certas e determinadas. Aquele que aconselha, elogia e censura, acusa e defende, tem de argumentar sempre com fatos pertinentes e relevantes (ou que parecem ser). Estes fatos podem ser comuns ou próprios.
- Há duas espécies de entimemas: os demonstrativos (a conclusão se obtém a partir de premissas com as quais se está de acordo) e os refutativos (conduz a conclusões que o adversário não aceita).
- O acusador deseja parecer mais honesto que o acusado. Porém, em geral é absurdo censurar nos outros aquilo que fazemos ou podemos fazer e incitá-los a fazer o que não fazemos ou não faremos.
- Exemplos de lugares: começa-se por definir e determinar a essência de uma coisa, depois se raciocina sobre a questão tratada; indução; juízo proferido anteriormente sobre o mesmo caso (ou semelhante); o mesmo fato ter como conseqüência, ao mesmo tempo um bem e um mal (ex. da instrução – sabedoria x inveja); aconselhar ou dissuadir sobre duas questões opostas (argumento do tipo cambaio: “Se dizes coisas justas, serás amados dos deuses; se dizes coisas injustas, sê-lo-ás dos homens”); examinar os móbiles que incitam a ação e os que nos desviam dela (útil para induzir as pessoas a agir ou dissuadi-la por meio de considerações contrárias).
- Em público, louvamos principalmente o justo e o belo; mas, no fundo do coração, desejamos sobretudo o útil.
- Entre os entimemas, os refutatórios são mais apreciados que os demonstrativos, porque reúnem em forma condensada os contrários, e, quando postas em paralelo, as coisas aparecem mais claras ao ouvinte. Os entimemas de maior efeito são aqueles cuja condição é prevista pelo ouvinte, desde o princípio, pois este se sente satisfeito por pressentir o que se vai seguir, compreender à medida que vão sendo enunciados.
- Exemplos de espécies de entimemas aparentes: afirmar em último lugar, sob forma de conclusão, sem ter feito raciocínio completo; reunir na argumentação o que estava separado ou separar o que estava unido; empregar o exagero para estabelecer ou refutar uma argumentação (o ouvinte raciocina em falso sobre a existência ou não-existência do fato em questão, quando a realidade deste não lhe foi demonstrada); apresentar como causa verdadeira aquilo que não é causa (p.ex., tomar como efeito de uma coisa aquilo que se seguiu a ela); considerar uma coisa desde um ponto de vista geral e, depois, de um ponto de vista particular (silogismo aparente; é comum nas discussões erísticas).
- Na Retórica, a fraude provém de o verossímil não o ser absolutamente, mas só de maneira relativa.
- Podemos refutar ou utilizando o contra-silogismo, ou introduzindo uma contra-proposição (podem ser tiradas de quatro lugares: do próprio entimema, de seu semelhante, de seu contrário ou dos juízos pronunciados). Os entimemas são tirados de quatro lugares: o verossímil (o que existe ou parece existir), o exemplo (indução pelo semelhante), a prova (se funda no necessário e no real) e o sinal (se assenta no geral ou no real particular, quer este exista ou não). Não basta, pois, refutar mostrando que uma coisa não é necessária; deve-se mostrar igualmente que ela não é verossímil.
- A amplificação e a atenuação são entimemas que visam mostrar que uma coisa é grande ou pequena, boa ou má, justa ou injusta etc. Os argumentos que servem para refutar um entimema não diferem daqueles que servem para formulá-lo.
Livro III
> Estilo e Composição do Discurso
- Não basta possuir a matéria do discurso; urge necessariamente exprimir-se na forma conveniente, o que é de suma importância para dar ao discurso uma aparência satisfatória.
- A virtude do estilo consiste na clareza; ele não deve ser nem rasteiro nem empolado. Desviar uma palavra de seu sentido ordinário permite dar ao estilo maior dignidade. A arte deverá dissimular-se e não parecer afetada, mas natural.
- O termo próprio, o vocabulário usual e a metáfora são as únicas expressões úteis para o estilo do discurso puro e simples.
- A metáfora é o meio que mais contribui para dar ao pensamento clareza, agrado e um ar estrangeiro. Se o que queremos é ornar o assunto, tiraremos à metáfora do que no gênero há de melhor; se queremos rebaixá-lo, tirá-la-emos do que há de pior.
- As metáforas devem ser tomadas de objetos que pertençam a um gênero próximo ou uma espécie semelhante. De um modo geral, de enigmas bem-feitos é possível extrair metáforas apropriadas, porque elas são enigmas velados e nisso se reconhece que a transposição de sentido foi bem-sucedida.
- A frieza de estilo provém de quatro causas: 1) o emprego de palavras compostas; 2) palavras estranhas e obsoletas; 3) epítetos excessivamente longos, inoportunos ou numerosos; 4) metáforas inconvenientes, ridículas ou obscuras.
- Cinco condições para falar com correção e pureza: 1) o emprego correto das conjunções; 2) uso dos vocábulos próprios (para que não seja preciso recorrer às perífrases); 3) evitar expressões ambíguas; 4) distinguir os gêneros dos nomes (masculinos, femininos e neutros); 5) distinguir se está se tratando de um único, muitos ou poucos objetos.
- Para dar ampliação (amplidão) ao estilo, empregue a definição em vez do vocábulo; para obter a concisão, proceda da maneira contrária. Evitaremos assim o que há de desagradável e inconveniente, esteja ele no vocábulo ou na definição.
- O estilo terá a conveniência desejada, se exprimir as paixões e os caracteres e se estiver intimamente relacionado com o assunto. Esta relação existe quando se tratam de modo rasteiro assuntos importantes, nem enfaticamente assuntos vulgares ou enfeitando de ornamentos uma palavra ordinária – o que acarretaria em estilo cômico (“venerável figueira”).
- O que contribui para persuadir é o estilo próprio do assunto (ex.: se a ação é ímpia e vergonhosa, adotar o tom de um homem cheio de indignação e reserva; se a matéria é elevada, falar-se-á com admiração). O ouvinte compartilha dos sentimentos do orador que fala de maneira patética (provoca comoção emocional), mesmo que o discurso careça de fundamento; é por isso que muitos oradores impressionam o ânimo dos ouvintes, fazendo simplesmente ruído.
- Fórmulas tais como “Quem não sabe? Todo o mundo o sabe” fazem o ouvinte aquiescer por vergonha, para não dar a impressão de ignorar o que todos os outros sabem.
- O orador deve, antecipando-se, prever as censuras de outrem; o que ele diz parece então ser verdade, visto que tem consciência do que faz.
- O discurso deve possuir ritmo, não metro; do contrário, será poema. Ele deve possuir majestade e comover.
- Duas são as espécies de estilo: coordenado (o que por si não tem fim, a não ser que o assunto tratado chegue ao termo; devido a seu caráter indeterminado, carece de agrado) e periódico (implexo ou circular; é agradável, porque possui caráter determinado e harmonia, e também de compressão fácil).
- Os períodos não devem ser demasiado curtos (o que faz com que o ouvinte tropece muitas vezes; cadência precipitada) nem excessivamente longos (o que faz com que o ouvinte fique para trás; longo prelúdio).
- É naturalmente agradável a todos aprender sem dificuldade; logo, as palavras mais agradáveis são aquelas que nos trazem algum conhecimento. O estilo e os entimemas são elegantes quando geram em nós um conhecimento rápido das coisas.
- A imagem é uma metáfora, diferindo dela apenas por ser precedida de uma palavra; pelo fato de ser desenvolvida mais longamente, é menos agradável.
- Quanto à forma do estilo, esta agrada quando se reúnem termos opostos (ex.: paz e guerra).
- Três qualidades do estilo: metáfora (principalmente as baseadas na analogia), antítese e caráter expressivo.
- Uma expressão põe o objeto debaixo dos olhos (servir de tela) quando mostra as coisas em ato. Ex.: Homero, pela metáfora, animava o inanimado; em Filosofia, dá-se mostra de sagacidade quando, pela inteligência, discernem-se semelhanças, mesmo entre coisas muito afastadas.
- Os apotegmas (sentença breve, de caráter aforístico) mais finos e agudos são aqueles que dão a entender uma coisa diferente do que as palavras insinuam; p.ex., a quebra de expectativa, por meio de um jogo de palavras que, em sua forma alterada, surtem um efeito de surpresa. O uso da homonímia também pode ser interessante, como se verifica neste verso: “É belo morrer antes de feito alguma coisa que mereça a morte”.
- Quanto mais a frase é breve, tanto mais antitética e mais apreciada ela é. Quanto maior for o conteúdo da frase, mais espirituosa ela é.
- A cada gênero oratório convém um estilo diferente. O estilo escrito é o mais exato; o estilo das discussões é o mais dramático, podendo comportar duas espécies: uma traduz os caracteres, a outra, as paixões.
- Assim como os discursos escritos parecem acanhados nos debates, aqueles que se prestam à ação oratória, quando esta é suprimida, não surtem o mesmo efeito e parecem demasiado simples.
- O assíndeto dá efeito de amplificação: “Vim, entretive-me com ele, supliquei-lhe”.
- O estilo que convém nas assembléias do povo assemelha-se em vários pontos ao desenho em perspectiva; quanto mais numerosa é a multidão de espectadores, mais afastado deve ser o ponto donde se olha. Logo, deve-se privilegiar a ação e evitar a exatidão nos pormenores. O contrário ocorre na eloqüência judiciária.
- O estilo do gênero epidíctico (demonstrativo) é o que melhor se presta para ser escrito, pois sue objetivo próprio é a leitura. Em segundo lugar, vem o estilo judiciário e, por último, o deliberativo.
> As partes do discurso
- O discurso possui duas partes: indicar o assunto de que se trata e em seguida fazer a demonstração; ou seja, exposição e prova. A prolixidade (incluir divisões supérfluas e ridículas) deve ser evitada. No máximo, podemos admitir: o exórdio (proêmio), a exposição (narração), a prova e o epílogo (conclus.
- A função do exórdio (análogos: na poesia, o prólogo; na música, o prelúdio) é tornar clara a finalidade do discurso, preparando os ouvintes para a narração. Exprime logo de entrada o que se pretende dizer e apresenta o plano.
- Os exórdios do gênero epidíctico tiram-se do elogio e da censura; às vezes, também toma a forma de conselho (seja para nos induzir a fazer uma coisa ou dela nos afastar). No gênero judiciário, recorre a considerações que dizem respeito ao ouvinte, a fim de chamar-lhe a atenção ou distraí-la (fazê-lo rir, p.ex.), e conciliar a indulgência do juiz.
- As pessoas cuja causa é ou parece ser má recorrem a preâmbulos para ganhar tempo antes de tratar do assunto.
- Meios de refutar uma acusação:
1) Dissipar a má impressão que poderiam ter de nós;
2) Quanto aos fatos contestados, ou dizer que tal fato não existe, ou não é nocivo, ou carece da importância que nosso adversário lhe atribui, ou que não é injusto, ou que não é vergonhoso;
3) Dizer que há erro, efeito ou do azar ou da necessidade, ou invocar, para a ação, outro motivo diferente do que o acusador nos atribui;
4) Verificar se o acusador já esteve implicado na mesma inculpação;
5) Verificar se estão implicadas na mesma inculpação pessoas que, segundo a opinião pública, não estão sujeitos à mesma acusação;
6) Averiguar se quem nos acusa acusou outras pessoas, ou se outra o acusou a ele ou ainda outros foram tornados suspeitos;
7) Acusar, por nossa vez, quem nos acusa (isso mitigaria a confiança sobre o acusador);
8) Invocar o juízo proferido;
9) Falar contra a calúnia, mostrando que a acusação não se fia nos fatos e indícios;
10) Louvar durante muito tempo fatos sem importância e criticar brevemente fatos importantes, ou expor muitas ações honrosas para depois criticar apenas uma que diretamente se relaciona com o assunto (este último meio é mais conveniente ao acusador).
- A justa medida da narração consiste em dizer tudo quanto ilustra o assunto, ou provar que o fato se deu e que constituiu um dano e uma injustiça (e que, dessa forma, possui a importância que lhe atribuímos). Precisamos juntar à narração tudo que o contribua para valorizar o nosso mérito pessoal, e inserir tudo quanto seja agradável aos juízes. Quem se defende (o acusado) não deve perder tempo em narrar fatos sobre os quais reina acordo, exceto se for para provar que essa coisa não foi prejudicial.
- O caráter moral é indispensável à narração; o caráter é indicado pela intenção premeditada que induz à ação, e o caráter desta intenção é indicado pelo fim proposto. Ninguém acredita que haja, além da utilidade, outro motivo para toda ação voluntária. Também se deve conceder lugar ao patético, para provocar emoções.
- As provas devem ser demonstrativas, referentes a um dos possíveis assuntos de contestação:
1) No gênero judiciário, quando se alega que o fato tenha acontecido, cabe recorrer à demonstração da realidade do fato (obs.: este é o único gênero de contestação que admite necessariamente que uma das partes em causa agiu por maldade);
2) No gênero demonstrativo, a amplificação consistirá em demonstrar que os fatos são belos e úteis, raramente sendo preciso demonstrá-los;
3) No gênero deliberativo, a contestação pode incidir nos seguintes pontos: ou a coisa que se aconselha não acontecerá, ou acontecerá, mas neste caso ela não é justa, nem útil ou tão importante quanto se diz (lembre-se: a exemplificação é o que é mais apropriado ao discurso deliberativo; os entimemas, ao discurso judiciário).
4) Os entimemas refutativos são mais prezados que os demonstrativos, porque tudo quanto tem por fim refutar parece mais fundamentado num raciocínio rigoroso. Os contrários são mais facilmente reconhecidos, quando em contraste. As objeções são provas que se propõem refutar e destruir os argumentos do oponente. Se for o primeiro a falar, exponha suas próprias provas e em seguida ataque os argumentos contrários; se for o segundo, comece fazendo objeções ao discurso do adversário, destruindo-lhe os argumentos, para depois tornar nossos argumentos persuasivos.
- Empregos da interrogação:
1) Quando o adversário, depois de ter expressado uma das partes da alternativa, à menor interrogação suplementar responde um absurdo;
2) Quando, sendo evidente um primeiro ponto, é manifesto que, a seguir à interrogação, o adversário concederá o outro (ex.: Sócrates refuta a acusação de ateísmo feita por Meleto quando este, quando interrogado, concordou que Sócrates acreditava em “daimons”, logo também em deuses);
3) Para mostrar que o adversário se contradiz ou que suas afirmações são paradoxais;
4) Quando o adversário é obrigado a responder de maneira sofística (ex.: isto é ou não é), e assim destruir a asserção oposta, pois os ouvintes ficarão embaraçados.
- Meios de responder a uma interrogação:
1) Às interrogações equívocas devemos responder apresentando as divisões e as explicações necessárias;
2) Àquelas que parecem desfavoráveis à nossa causa, replicaremos com uma refutação, sem obscuridade;
3) Se o adversário conclui sob forma de interrogação, devemos, ao concluir, dar a razão que nos induziu a agir. (nunca se deve concluir sob a forma de interrogação, exceto se a verdade estiver inteiramente do nosso lado)
- A peroração (epílogo) compõe-se de quatro partes: 1) dispor favoravelmente os ouvintes em relação ao orador e desfavoravelmente perante o adversário; 2) amplificar ou atenuar o que se disse; 3) excitar as paixões no ouvinte (compaixão, indignação, cólera...); 4) proceder a uma recapitulação (relembrar os fatos e as razões invocadas, comparando-as e confrontando-as com as do adversário);
- Durante a conclusão, pode-se recorrer à ironia ao adversário. Termine com um assíndeto.
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