agosto 21, 2011

O Inferno de Dante

4ª reunião do grupo de Estudos Humanistas, realizada em 8 de Julho.

"A Divina Comédia" (Dante Alighieri), parte 1: Inferno

1. Biografia
- Dante Alighieri nasceu em Florença, em maio de 1265. Viveu em uma época marcada pela rivalidade política dos Guelfos (divididos em duas alas: a Negra, os quais defendiam que o Papa continuasse exercendo o domínio sobre as cidades italianas, e a Branca, sendo esta última mais republicana, e era a ela que Dante e sua família se aliavam) e Gibelinos (partido imperial).
- A grande paixão da vida deste poeta foi Beatriz Portinari, casada com um rico banqueiro. Sua morte precoce, aos 24 anos, muito comoveu Dante, que a homenageou nos poemas de "Vida Nova" (1292).
- O conflito político entre guelfos e gibelinos se tornou paulatinamente uma disputa entre Brancos e Negros. Depois da vitória destes, em 1302, Dante foi condenado a pagar uma multa, a se exilar por 3 anos e a perder seus direitos de exercer qualquer cargo público. Como ele se recusou a cumprir tais punições, teve que fugir da cidade, pois foi condenado à morte caso voltasse a Florença. Desde então, morou em várias cidades, como Bologna, Pádua e Milão.
- Dante passou todo este período de exílio escrevendo, de forma descontínua (pois exerceu atividades diplomáticas), a "Comédia" ("Divina" foi um epíteto atribuído séculos depois, pelos renascentistas).

2. Inferno: os principais cantos
Canto I: "No meio do caminho em nossa vida, eu me encontrei por uma selva escura, porque a direita via era perdida." A "selva escura" é um símbolo para os desvios da condição humana. O poeta encontra Virgílio, após fugir de três feras: a onça (luxúria), o leão (soberba) e a loba (avareza).
Canto II: Dante ainda vacila e teme a jornada. Virgílio encoraja-o dizendo que foi Beatriz que lhe pediu para conduzir o poeta italiano.
Canto III: Na porta do Inferno há a seguine frase: "Deixai toda a esperança, vós que entrais." O sentido duro é justamente para extirpar qualquer vileza daqueles que ingressam.
Canto IV: Dante e Virgílio chegam ao círculo primeiro, o Limbo, no qual residem as almas boas que conheceram a fé cristã. Por lá são encontrados poetas antigos (como Horácio e Ovídio) e filósofos (p.ex., Heráclito, Sócrates, Platão e Diógenes). Virgílio diz: "vindos antes do cristanismo, não prestaram a Deus devido rito, e eu mesmo sou um deles neste abismo". Consciência dantesca da própria grandeza: "e fui sexto entre tantos sabedores".
Canto V: Círculo segundo, o dos luxuriosos, pecadores da carne. Semíramis, Nino e Páris habitam esta região do Inferno. Também são encontrados Francesca da Rimimi e Paolo Malatesta, que cometeram adultério. Paolo era irmão de Ginaciotto, do qual Francesca era esposa. "Amor que a amado algum perdoa, tomou-me a seu prazer assim tão forte, que como vês ainda se apregoa".
- No círculo terceiro há os gulosos. No quarto, os gulosos. Os iracundos e melancólicos habitam o quinto.
Canto X: os poetas chegam ao círculo sexto, no qual estão os hereges. Sobre os epicuristas: "No cemitério desta parte estão com Epicuro todos seus sequazes que a alma com o corpo morta dão". (aliás, tal posição era atribuída aos gibelinos)
- Círculo sétimo: violentos. Dentre eles, suicidas, dissipadores e violentos contra Deus.
Canto XV: Profecia a Dante: "Pois Fortuna tal honra te reserva, têm fomes as duas partes e ciúmes de ti; mas fique longe o bico à erva".
- Outros violentos: sodomitas, usurários, tiranos e blasfemadores.
- No círculo oitavo encontram-se os fraudulentos, classificados em sedutores, aduladores, simoníacos, adivinhos e feiticeiros, traficantes, hipócritas, ladrões, conselheiros de fraude, semeadores de escândalo e cisma e falsificadores de pessoas, moeda ou palavra.
Canto XIX: os simoníacos foram parar no Inferno por vender objetos supostamente sagrados. Dante faz uma invectiva contra papas (Nicolau III, por exemplo) que cometeram tal pecado: "Vós fizestes um Deus de ouro e de argento; que distinção do idólatra vos quadre, senão que adoro um, e vós um cento?"
Canto XXVI: Conselheiros de fraude. Virgílio e Dante encontram Ulisses, cuja última viagem e morte ocorreram na tentativa de atravessar o estreito de Gibraltar. Eis um final alternativo para o herói da "Odisséia": depois de partir da ilha de Circe, "nem doçura do filho, ou que se apieda do velho pai, nem o devido amor que Penélope então filha leda, venceram puderam dentro de mim o ardor que eu tive em me tornar do mundo experto, e dos humanos vícios e valor".
Canto XXVIII: Semeadores de escândalo e cisma, como Maomé: "entre as pernas a tripa pende e pula, a fressura se vê o triste saco que merda faz daquilo que se engula".
- No círculo nono, os traidores. Quatro regiões: Caína (traição aos parentes), Antenora (por motivos políticos), Tolomea (aos hóspedes) e Giudecca (aos benfeitores).
Canto XXXIV: Em Giudecca, os poetas encontram Lúcifer (anjo caído) congelado: "Imperador do reino em dor tamanha saía a meio peito ao gelo baço". Judas (traiu Jesus Cristo), Brutas e Cássio (conspiraram contra Júlio César) se fundem em uma criatura monstruosa: "De cada boca esfacelava a dente um pecador, ripando-lhe a medula, e a cada um de três punha dolente". Descida ao centro da Terra e saída do outro lado - do Inferno ao Purgatório.

3. Revisão Bibliográfica
- Vasco Graça Moura: há uma profusão enciclopédica de elementos no poema. O Inferno tem a obsessão arquetípica do labirinto. Quanto à métrica, predomina o hendecassílabo, que dá uma idéia de movimento e um caráter silogístico às rimas ("terza"). Há no Inferno dantesco um inquietante espetáculo do mal, o qual tem um confronto inevitável com os universos concentracionários do nosso tempo.
- Harold Bloom: a Divina Comédia é uma obra canônica, e "destrói a distinção entre escrita sagrada e secular". Quebra também a distinção católica entre imortalidade divina e fama humana. Dante, que se via como um profeta, deu à sua obra-prima o status de uma nova Escritura. Quando se lê Dante (ou Shakespeare), experimentam-se os limites da arte, e então descobre-se que os limites são ampliados ou rompidos.
No canto 26 do Inferno, Dante criou a mais original versão de Ulisses que temos, um Ulisses que não busca o lar e a esposa em Ítaca, mas deixa Circe para romper todos os laços e encontrar o desconhecido. Ulisses e Dante estão em relação dialética, porque este teme a profunda identidade entre ele mesmo como poeta e Ulisses como viajante transgressor.

Dica: visitem este site, o melhor em português sobre a "Divina Comédia".

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